23.1.09

Novo Artigo Publicado em 28/02/2007

O PROGRAMA DO TIO MÁRIO E A CULTURA LOCAL

Estive no programa do Tio Mário umas duas vezes, sempre na semana do Dia da Criança. Nas duas ocasiões, fui como integrante da caravana da Escola Estadual Miguel Laterza, onde fiz o primário. Isso lá pelos anos de 1977, 1978, em plena ditadura militar. Ele era a maior figura. Auxiliado por duas ajudantes (acho que eram suas filhas), esbanjava carisma e comandava, com a maior paciência, as brincadeiras de seu programa.

Para ganhar os presentes que eram distribuídos, as crianças tinham que participar de algumas provas. Era preciso, por exemplo, tomar guaraná – incondicionalmente Golé, produto patrocinador do programa – no prato; morder, com as mãos para trás, numa maçã que ficava pendurada num fio de náilon; nunca falar o número cinco e seus múltiplos, trocando-os pela expressão “TV Uberaba”; saber qual animal “piava” e qual “cantava”, dentre outras.

Havia, em especial, uma brincadeira, que, ao mesmo tempo, podia ser extremamente gratificante ou extremamente frustrante. Os meninos dançavam com as meninas, tendo uma laranja unindo suas testas. Ganhava o casal que não deixava a laranja cair no chão. Acho que se chamava a Dança da Laranja. O problema é que os meninos só ficavam sabendo quem seriam suas parceiras na hora em que a dança iria começar, sem que fosse possível escolhê-las. Ou seja: se a menina fosse bonitinha, tudo bem; mas, se o garoto desse azar e a menina fosse meio feinha, era uma gozação só.

O Programa do Tio Mário acontecia aos domingos pela manhã e era transmitido, ao vivo, pela extinta TV Uberaba, canal 5. Aqueles que não iam ao estúdio, situado na rua Osvaldo Cruz, podiam, então, acompanhar de suas casas.

Entretanto, mais do que dar vazão às lembranças do autor, esse artigo quer registrar que, através de suas brincadeiras, o Programa do Tio Mário contribuía para a construção e manutenção de nossa identidade local. O programa era feito aqui, para o público daqui e apresentado por alguém que todos, verdadeiramente, conheciam.

Evidentemente que a identificação do telespectador acontecia num plano muito mais profundo. O espaço local tinha seus contornos muito mais bem demarcados, e, por isso mesmo, sobrepunha-se às produções vindas de fora. Ao anunciar um patrocinador, por exemplo, tínhamos a oportunidade de saber o que por aqui se produzia/vendia. As escolas locais, ao terem seus nomes anunciados no programa, enchiam de orgulho seus alunos e professores. O fato de pessoas conhecidas umas das outras se verem na televisão reforçava, inconscientemente, a idéia de que podíamos fazer coisas dignas de orgulho.

O que vemos hoje, quando a imensa maioria possui antena parabólica em suas casas e, por essa razão, não sintoniza a programação local, é a prevalência da idéia de que no espaço local nada de bom se faz. Ao contrário: se é produção local, é careta e sem valor. Bom mesmo é o que vem de fora, e, em nome dessa crença, submetemos-nos a assistir a programas que nada nos falam, uma vez que não nos reconhecemos neles. E aí reside seu maior malefício: esses programas “globalizados” afastam-nos de nós mesmos, tornando-nos outras pessoas, alienando-nos, enfim.

Jean-Paul Sartre, filósofo francês, fala da importação de consciência para se referir ao ato de delegarmos aos outros a autonomia do nosso pensamento. Ao nos tornamos outros, permitimos que nossa cultura original seja substituída por outras formas culturais. É como se abríssemos mão de pensar as nossas práticas culturais e adotássemos práticas culturais alheias, desfigurando-nos totalmente.

Novo Artigo Publicado em 14/02/2007

DORA DOIDA, “SEU” MARCOS E ZOTE

Que Rui Barbosa me perdoe, mas acho que nossa principal praça deveria se chamar praça Dora Doida.

Nada sei, de concreto, sobre ela. Não sei quantos anos tem, se gosta dessa ou daquela comida, se mora nesse ou naquele bairro, se torce por algum time de futebol. Nem viva sei se está. Entretanto, sua figura desperta em mim profundo fascínio. Se me perguntarem qual a primeira pessoa que me vem à mente quando penso em nossa cidade, digo na hora: Dora Doida. No meu imaginário, ela é muito mais famosa e importante do que o Águia de Haia.

Estive, pessoalmente, com ela em pouquíssimos momentos, quando trabalhava na livraria Alternativa. Ela entrava na loja, perguntava se algum rapaz queria casar com ela e ia embora. Dizem que, vez ou outra, era agressiva. Pode até ser. Na minha presença, nunca o fora. Depois, a vi andando pelas ruas algumas vezes.

Getúlio Vargas é outro que não pode ficar bravo comigo, mas o logradouro que leva seu nome também deveria mudar. Deveria passar a se chamar “Seu” Marcos.
Também sobre “Seu” Marcos sei muito pouco. Apenas que vende filtros purificadores. Mas sua figura é singular: por onde anda, é acompanhado por inúmeros cachorros. Certa feita contei mais de doze. Toda a cidade o conhece. Já tentei entrevista-lo, mas ele sempre foge. Acha que não tem nada a dizer. Eu, ao contrário, acho que ele tem tudo a dizer. Nesse breve encontro, consegui arrancar pouquíssimas informações. Sobre os cachorros, diz apenas que gosta de cuidar deles. Propus-me até a comprar dele um purificador na intenção de ter mais tempo para conversarmos, mas não teve jeito.

Agora é a vez dos torcedores do intrépido Nacional Futebol Clube não ficarem bravos comigo, mas acho que o nome do campo da agremiação deveria mudar de JK para Zote. Não sei nem se ele gostava de futebol e muito menos se torcia pelo Nacional. Entretanto, a figura do Zote me chama muito mais atenção do que a do ex-presidente. Dias atrás, João Sabino se referiu a ele num de seus textos, neste mesmo Jornal da Manhã.

O que mais chama atenção na figura do Zote é que todo mundo tem sempre uma história para contar sobre ele. As mais famosas giram ao redor de seus carros. Não há quem não conheça aquela em que ele se dirige à concessionária para adquirir um carro novo e, devido a sua parca vestimenta, nenhum vendedor lhe dá atenção, julgando-o incapaz de comprar um bem tão caro. Eis, então, que, de repente, ele saca uma enorme quantidade de notas e, à vista, arremata o modelo mais caro.

Quando começo a pensar nas pessoas, reais ou imaginárias, as quais nossa cidade me traz à lembrança, não consigo deixar de pensar na Dora Doida, no “Seu” Marcos e no Zote. É claro que Rui Barbosa, Getúlio Vargas e JK merecem o respeito de todos nós. Mas esses três singulares personagens estão muito mais impregnados na memória coletiva da cidade. Isso é facilmente explicado se levarmos em conta que é muito mais fácil nos identificarmos com as coisas que estão ao nosso redor do que com aquelas mais distantes.

Dora Doida, “Seu” Marcos e Zote: três personagens verdadeiramente conhecidos da cidade e, em função disso, habitam, com violento vigor, nosso imaginário coletivo. Aos três dedico meu texto neste domingo.

Novo Artigo 26/01/2007

CULTURA POLÍTICA


As últimas décadas do século XX foram de singular avanço no tocante à revitalização do campo das interpretações historiográficas, renovando um amplo e variado conjunto de análises históricas. Para além dos tradicionais paradigmas e modelos existentes, outras categorias são introduzidas e consideradas como de eficaz valor explicativo. No campo político, a principal inovação foi a revitalização da categoria de Cultura Política.

Esse novo vigor no conceito de cultura política muito devemos aos trabalhos de vários cientistas sociais – tais como Almond e Verba – onde a perspectiva comportamentalista é privilegiada.
No entanto, o modelo comportamentalista receberá várias críticas, sejam de cientistas sociais, sejam de historiadores. Gostaríamos de destacar a crítica elaborada pelo sociólogo francês Daniel Cefai, uma vez que seus apontamentos abrem uma nova dimensão na compreensão do conceito de cultura política Daniel Cefai amplia o arco de abrangência do conceito de Cultura Política à medida que paradigmas explicativos mais universais são relegados a um segundo plano. No seu lugar, ganham ênfase análises que reflitam contextos menores, que busquem compreender os fenômenos particulares, conseguindo, assim, melhor perceber as nuanças das tramas sociais e das formas culturais em geral.

Na visão do autor supracitado, perdem fôlego abordagens que defendem que as escolhas e os compromissos dos atores políticos devem-se, unicamente, a uma imposição de consenso através de códigos culturais. Aproxima-se, assim, Cefai da micro-história, que destaca em suas abordagens micro universos, nos quais cidadãos anônimos e comuns podem expressar seus estilos de vida, seus códigos de conduta, seus hábitos.

Assim, entendemos que o principal avanço trazido pelo conceito de cultura política é romper com qualquer interpretação essencialista acerca dos fenômenos sociais. A explicação do ato político, sendo um evento de grande complexidade, exige de seus decifradores mais do que conceitos generalistas, de feições comportamentais. É preciso um instrumental teórico que leve em conta as especificidades de seus atores e as singularidades das tramas por eles vividas.

Ao privilegiarmos as diferenças de pensamento, os valores e a prática dos diversos grupos que compõem as várias Culturas Políticas de uma dada sociedade, não estamos excluindo a possibilidade de formação de uma cultura política dominante frente às demais. As Culturas Políticas evoluem na história, determinadas por conjunturas históricas e por influência de outras culturas políticas.

Outra consideração que se faz necessária, diante do que foi exposto, diz respeito à não-unicidade das mensagens difundidas por uma dada Cultura Política. As mensagens resultam de uma gama muita ampla de fatores, que passa pela influência da família, da escola, dos grupos de convivência social, dos partidos políticos, da imprensa, etc.

Fatores esses que forjam nos atores políticos, múltiplas formas de abordagem da esfera política a que fazem parte. As vivências ─ praticadas ou idealizadas ─ por esses indivíduos levam em conta uma multiplicidade de questões que dão todo um colorido policromático as suas ações.