15.8.06

Quem tem Medo da História Local?


Este artigo, publicado originalmente no Jornal da Manhã (edição de 13/08/2006), pretende ser o primeiro de uma série onde a História Local será tema de nossas reflexões. Estará presente neste espaço tanto exemplos vivos de História Local quanto discussões de cunho metodológico, onde abordaremos as possibilidades e os limites da História Local. A micro-história, outra corrente historiográfica, também aparecerá por aqui.


Recentemente o jornalista Juca Kfouri escreveu na Folha de S. Paulo (24/07/2006, p. D3) que, hoje em dia, assistir aos jogos dos campeonatos locais e torcer pelo nosso time do coração é “incomparavelmente mais gostoso” do que ver os jogos da Copa do Mundo e torcer pela seleção brasileira. Tanto concordo com ele que quando o intrépido esquadrão do Uberaba Sport Clube só empatou com Valério em casa e o Tupi venceu o Juventus ─ combinação de resultados que adiou os planos do colorado de retornar a elite do futebol mineiro em 2007 ─ fiquei muito mais aborrecido do que com o vexame do escrete canarinho em plagas alemãs. E se você também pensa assim, saiba que não há nada de errado conosco.

O que nos acomete é um processo de identificação muito mais focado no nosso espaço local do que em percepções generalistas e globalizantes. Dito de outra forma: o que acontece ao nosso redor nos é mais importante (ou pelo menos deveria ser) do que aquilo que acontece distante de nossa realidade. Segundo o professor Luiz Reznick, historiador da Universidade Federal Fluminense, “a contigüidade territorial, a proximidade espacial, as relações de vizinhança e cotidianidade estabelecem uma ética de pertencimento singular”. E essa sensação de pertencimento nos faz sentir seguros, uma vez que no espaço local as pessoas e as coisas me são familiares.

Quero aproveitar a idéia acima esboçada para discutir a importância, cada vez maior, do espaço local. Não só historiadores deram-se conta disso, mas sociólogos e antropólogos também. Aliás, a interdisciplinaridade é marca registrada da história local. Compreenderam, esses intelectuais, que por intermédio de pequenos recortes históricos, podem ser alcançados e identificados contextos mais amplos outrora incompreensíveis. Diminuindo-se a escala de abrangência do objeto estudado, podemos perceber detalhes que para um olhar mais apressado seria impossível perceber.

A forma como a história tradicional compreende os fenômenos históricos, torna-os distantes da vida das pessoas. Fala-se nos grandes homens, nos grandes heróis que no dia x do mês y do ano z fizeram e desfizeram coisas. Homens que agiram iluminados pela certeza de estarem fazendo o correto, que não tinham dúvidas, que nunca titubeavam. Faz-se assim uma história idealizada, alienante e distante da concretude da vida real. E é por isso que os alunos, muitas vezes, não gostam de estudar história. Que sentido há em se estudar algo que não me diz respeito?

Essa idealização, e conseqüente distanciamento das pessoas em relação aos processos históricos, é item a ser combatido na história local, para quem todo homem passa a ser agente da história. A história local se interessa pelas massas anônimas, por contar a história das pessoas simples e sua vida cotidiana. Entende a história local que essas pessoas simples e suas histórias igualmente simples também compõe o cenário daquilo que chamamos de história.

É preciso ressaltar que a história local não abandona as normas, a regra geral, circunscrevendo-se em si mesma. O que ela propõe é entender essas normas gerais a partir de análises particulares. O pesquisador do ambiente local, usando instrumentos adequados, sabe que é possível alcançar uma macro-história através de uma micro-história. O contrário nem sempre se dá.

Fernando Pessoa, na figura de Alberto Caeiro, dizia que “o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia”, por uma razão muito simples: “o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.

9 comentários:

  1. Grande texto, camarada Mozart! Me veio a mente que quem mais tem medo da história local são os homens públicos que manejam símbolos da história para tentar controlar a sociedade. Eles morrem de medo de serem descobertos em vida. Mas são tão mesquinhos que não se importam se a canalhice for descoberta depois de mortos. Nada como um blog para fazer uma excelente guerrilha "glocal". Avante!

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  2. Anônimo21:17:00

    Amigo André,
    Concordo com você e acrescento: os amantes de uma história elitista, excludente e parcial também tem medo da História Local. Tanto que financiam debates, livros, congressos, etc...só para perpetuarem uma história sem identidade, sem sabor e de pontos de vista gerais e globalizantes, onde as particularidades são todas suprimidas. Por isso, tenho proposto uma idéia: historiador (e demais intelectuais) devem andar é com uma lupa no bolso. Chega de olharmos para os fenômenos históricos com telescópio. Abraços!!!!

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  3. Anônimo10:18:00

    Grande Mozart!
    Cada vez mais afiado em seus dizeres.
    Como disse André, avante com essa excelente "guerrilha glocal" que o tempo de "Gildos" e "Stuarts" parece que já se foi. Pode-se, sem susto, falar do global e do local. Deve-se, sem dúvida, ouvir quem fala e ver com olhos próprios o que os seus enxergam de forma tão preciosa.

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  4. Obrigado, Iara, por sua visita. Ao final de seu comentário, vc diz uma coisa muito interessante: ouvir quem fala e ver com olhos de quem fala. Nas minhas investigações (não apenas no campo da história), tenho procurado ouvir o que falam as pessoas, (sobretudo, as anônimas - aquelas que quase nunca podem contar suas histórias) e dessas audições extrair aprendizagens. Por que de uma coisa estou convicto: elas tem muito a dizer. E ao fazê-lo, revelam um mundo cheio de representações e de infinitas possibilidades. Ao intelectual que gosta de gente, acredito não haver outra postura.

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  5. Anônimo21:07:00

    Mozart, Ave!!! Talvez seja interessante você conhecer o trabalho de um artista paulistano. É um dvd, com uma narrativa sobre São Paulo. O nome é "Tudo São Referências, Tudo São Memórias" e, pra você ter uma idéia, há o seguinte comentário: "...Uma garota perdida no centro de SP, um vagabundo que não pode ajudá-la muito, pois nunca saiu da praça onde mora e um andarilho maluco que conhece São Paulo muito bem. Andando, descobrem que uma serraria funcionou onde hoje é o Teatro Municipal, que a última forca existiu onde é a Praça da Liberdade..."
    Talvez você até já conheça. Ele se chama Nicanor Jacinto. Vou falar desse blog pra ele e talvez vcs troquem umas histórias.
    Um abraço!

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  6. Prezada Iara, Vc tem o DVD? Gostaria, muito, de assistir. O comentário que vc destaca tem tudo a ver com o que acredito e estou tentando debater neste espaço. Obrigado pelas visitas, volte sempre e divulgue o blog. Afinal, vc não tem medo da história local, tem? Hehehehehhehheheheheh. Abraços,

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  7. Anônimo08:39:00

    Tenho não!!! Minha história, sua história, nossa história, a história da rua, do bairro, da cidade... No fim, são várias histórias dentro da mesma. Eu descobri, há algum tempo atrás, por exemplo, que minha bisavó era a lavadeira de roupas dos irmãos maristas, ao mesmo tempo em que exercia atividades de tradução da correspondência deles, pois era fluente no francês e alemão. É a minha escola, o meu trabalho, um pouco da minha história...
    Tenho o dvd e podemos combinar de eu emprestá-lo a vc. Viajo no feriado e, ao retornar, te dou um alô. Meu e-mail: fernandesia41@yahoo.com.br

    Um abraço!

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  8. Anônimo17:31:00

    e ai mozart, é o wisner da 8ªf você se lembra? Ficou muito bacana seu site, gostei muito afinal a história é uma parte da nossa vida e da vida do ser. Parabéns! Excelente idéia.

    Um abraço, wisner.

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  9. É isso mesmo, prezado Wisner: a história faz parte da nossa vida. É uma pena que as pessoas demoram muito para compreender isso. Obrigado pela visita.

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