
Recentemente o jornalista Juca Kfouri escreveu na Folha de S. Paulo (24/07/2006, p. D3) que, hoje em dia, assistir aos jogos dos campeonatos locais e torcer pelo nosso time do coração é “incomparavelmente mais gostoso” do que ver os jogos da Copa do Mundo e torcer pela seleção brasileira. Tanto concordo com ele que quando o intrépido esquadrão do Uberaba Sport Clube só empatou com Valério em casa e o Tupi venceu o Juventus ─ combinação de resultados que adiou os planos do colorado de retornar a elite do futebol mineiro em 2007 ─ fiquei muito mais aborrecido do que com o vexame do escrete canarinho em plagas alemãs. E se você também pensa assim, saiba que não há nada de errado conosco.
O que nos acomete é um processo de identificação muito mais focado no nosso espaço local do que em percepções generalistas e globalizantes. Dito de outra forma: o que acontece ao nosso redor nos é mais importante (ou pelo menos deveria ser) do que aquilo que acontece distante de nossa realidade. Segundo o professor Luiz Reznick, historiador da Universidade Federal Fluminense, “a contigüidade territorial, a proximidade espacial, as relações de vizinhança e cotidianidade estabelecem uma ética de pertencimento singular”. E essa sensação de pertencimento nos faz sentir seguros, uma vez que no espaço local as pessoas e as coisas me são familiares.
Quero aproveitar a idéia acima esboçada para discutir a importância, cada vez maior, do espaço local. Não só historiadores deram-se conta disso, mas sociólogos e antropólogos também. Aliás, a interdisciplinaridade é marca registrada da história local. Compreenderam, esses intelectuais, que por intermédio de pequenos recortes históricos, podem ser alcançados e identificados contextos mais amplos outrora incompreensíveis. Diminuindo-se a escala de abrangência do objeto estudado, podemos perceber detalhes que para um olhar mais apressado seria impossível perceber.
A forma como a história tradicional compreende os fenômenos históricos, torna-os distantes da vida das pessoas. Fala-se nos grandes homens, nos grandes heróis que no dia x do mês y do ano z fizeram e desfizeram coisas. Homens que agiram iluminados pela certeza de estarem fazendo o correto, que não tinham dúvidas, que nunca titubeavam. Faz-se assim uma história idealizada, alienante e distante da concretude da vida real. E é por isso que os alunos, muitas vezes, não gostam de estudar história. Que sentido há em se estudar algo que não me diz respeito?
Essa idealização, e conseqüente distanciamento das pessoas em relação aos processos históricos, é item a ser combatido na história local, para quem todo homem passa a ser agente da história. A história local se interessa pelas massas anônimas, por contar a história das pessoas simples e sua vida cotidiana. Entende a história local que essas pessoas simples e suas histórias igualmente simples também compõe o cenário daquilo que chamamos de história.
É preciso ressaltar que a história local não abandona as normas, a regra geral, circunscrevendo-se em si mesma. O que ela propõe é entender essas normas gerais a partir de análises particulares. O pesquisador do ambiente local, usando instrumentos adequados, sabe que é possível alcançar uma macro-história através de uma micro-história. O contrário nem sempre se dá.
Fernando Pessoa, na figura de Alberto Caeiro, dizia que “o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia”, por uma razão muito simples: “o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.
Grande texto, camarada Mozart! Me veio a mente que quem mais tem medo da história local são os homens públicos que manejam símbolos da história para tentar controlar a sociedade. Eles morrem de medo de serem descobertos em vida. Mas são tão mesquinhos que não se importam se a canalhice for descoberta depois de mortos. Nada como um blog para fazer uma excelente guerrilha "glocal". Avante!
ResponderExcluirAmigo André,
ResponderExcluirConcordo com você e acrescento: os amantes de uma história elitista, excludente e parcial também tem medo da História Local. Tanto que financiam debates, livros, congressos, etc...só para perpetuarem uma história sem identidade, sem sabor e de pontos de vista gerais e globalizantes, onde as particularidades são todas suprimidas. Por isso, tenho proposto uma idéia: historiador (e demais intelectuais) devem andar é com uma lupa no bolso. Chega de olharmos para os fenômenos históricos com telescópio. Abraços!!!!
Grande Mozart!
ResponderExcluirCada vez mais afiado em seus dizeres.
Como disse André, avante com essa excelente "guerrilha glocal" que o tempo de "Gildos" e "Stuarts" parece que já se foi. Pode-se, sem susto, falar do global e do local. Deve-se, sem dúvida, ouvir quem fala e ver com olhos próprios o que os seus enxergam de forma tão preciosa.
Obrigado, Iara, por sua visita. Ao final de seu comentário, vc diz uma coisa muito interessante: ouvir quem fala e ver com olhos de quem fala. Nas minhas investigações (não apenas no campo da história), tenho procurado ouvir o que falam as pessoas, (sobretudo, as anônimas - aquelas que quase nunca podem contar suas histórias) e dessas audições extrair aprendizagens. Por que de uma coisa estou convicto: elas tem muito a dizer. E ao fazê-lo, revelam um mundo cheio de representações e de infinitas possibilidades. Ao intelectual que gosta de gente, acredito não haver outra postura.
ResponderExcluirMozart, Ave!!! Talvez seja interessante você conhecer o trabalho de um artista paulistano. É um dvd, com uma narrativa sobre São Paulo. O nome é "Tudo São Referências, Tudo São Memórias" e, pra você ter uma idéia, há o seguinte comentário: "...Uma garota perdida no centro de SP, um vagabundo que não pode ajudá-la muito, pois nunca saiu da praça onde mora e um andarilho maluco que conhece São Paulo muito bem. Andando, descobrem que uma serraria funcionou onde hoje é o Teatro Municipal, que a última forca existiu onde é a Praça da Liberdade..."
ResponderExcluirTalvez você até já conheça. Ele se chama Nicanor Jacinto. Vou falar desse blog pra ele e talvez vcs troquem umas histórias.
Um abraço!
Prezada Iara, Vc tem o DVD? Gostaria, muito, de assistir. O comentário que vc destaca tem tudo a ver com o que acredito e estou tentando debater neste espaço. Obrigado pelas visitas, volte sempre e divulgue o blog. Afinal, vc não tem medo da história local, tem? Hehehehehhehheheheheh. Abraços,
ResponderExcluirTenho não!!! Minha história, sua história, nossa história, a história da rua, do bairro, da cidade... No fim, são várias histórias dentro da mesma. Eu descobri, há algum tempo atrás, por exemplo, que minha bisavó era a lavadeira de roupas dos irmãos maristas, ao mesmo tempo em que exercia atividades de tradução da correspondência deles, pois era fluente no francês e alemão. É a minha escola, o meu trabalho, um pouco da minha história...
ResponderExcluirTenho o dvd e podemos combinar de eu emprestá-lo a vc. Viajo no feriado e, ao retornar, te dou um alô. Meu e-mail: fernandesia41@yahoo.com.br
Um abraço!
e ai mozart, é o wisner da 8ªf você se lembra? Ficou muito bacana seu site, gostei muito afinal a história é uma parte da nossa vida e da vida do ser. Parabéns! Excelente idéia.
ResponderExcluirUm abraço, wisner.
É isso mesmo, prezado Wisner: a história faz parte da nossa vida. É uma pena que as pessoas demoram muito para compreender isso. Obrigado pela visita.
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