17.1.07

Novo Artigo Jornal da Manhã - Publicado em 14/01/2007

JOÃO FERREIRA ROSA

João Ferreira Rosa passou todo o dia 30 de janeiro de 1951 preocupado com as festividades do dia seguinte. Encomendou a carne para o churrasco, verificou a temperatura das bebidas, checou pela última vez a lista dos convidados e instruiu seus correligionários para que tudo transcorresse bem. Há muito aguardava para tomar posse do poder executivo da cidade de Veríssimo e queria que nada saísse errado com as comemorações. Afinal, a disputa com a UDN (União Democrática Nacional) havia sido bastante acirrada.

Melhor mesmo seria se tivesse ouvido os conselhos de vários amigos do PSD (Partido Social Democrático), que pediam para ele não sair sozinho, sobretudo depois que uma ameaçadora carta anônima, que no dia da apuração da eleição, teria lhe chegado às mãos. Estava escrito: se você ganhar, não leva. Entretanto, o recém-eleito prefeito de Veríssimo a ignorou, bem como aos conselhos dos amigos e companheiros partidários.

Por volta de 22 horas, na véspera da posse, chega à casa do prefeito eleito um recado para que ele comparecesse ao posto telefônico da cidade, pois deveria receber um recado oriundo de Uberaba e retransmiti-lo a um amigo. João Rosa já se encontrava deitado e, contrariando as recomendações sobre o adiantado da hora, feitas por dona Amélia Idaló Rosa, sua esposa, resolveu atender àquele chamado. Na pressa, ele, que era exímio atirador e jamais andava desarmado, esqueceu o revólver calibre 32 sobre a mesa da copa.

O posto telefônico de Veríssimo funcionava na esquina oposta à residência do casal, situada na Praça Mizael Rodrigues da Cunha. Caminhando-se poucos passos, percorria-se a distância que separava os dois lugares. Ao ter com a funcionária do lugar, descobriu que não havia ali nenhum recado para ele. Como seu sócio, Juca Elias, morava ao lado de onde funcionava o posto telefônico, julgou que poderia ser ele quem o procurava. Para sua surpresa, também não. Neste exato instante, as luzes e os telefones da cidade foram cortados. Sem entender que se tratava de um atentado contra sua vida, o prefeito eleito resolveu voltar para casa. Infelizmente, não daria tempo.

Dona Amélia ouviu o estampido e saiu correndo, encontrando o corpo do marido se contorcendo em dores, agonizando ao solo, esvaindo-se em sangue. O assassino acertara-lhe, pelas costas, um único. Terminado o serviço, o algoz fugiu em um táxi que o aguardava na estrada do cemitério.

Constatando que João Rosa ainda permanecia vivo, dona Amélia, juntamente com Alaor Alves da Silva e Pedro Ítalo, amigos da família e companheiros políticos do prefeito eleito, encaminhou o marido para ser socorrido em Uberaba. A viagem aconteceu nas mais precárias condições, uma vez que o estado da estrada era péssimo. A uma hora da madrugada do dia 31 de janeiro, João Ferreira Rosa era internado no hospital da Beneficiência Portuguesa, onde seria operado, com sucesso, pela equipe do Dr. Hélio Angotti.

Ivaí Lacerda, vereador da cidade de Veríssimo, e sua esposa, Genoveva Lacerda, amigos particulares de João Rosa, visitaram-no dois dias depois da cirurgia e constataram sua franca recuperação. Entrementes, João Rosa perdera muito sangue no atentado e precisou fazer uma transfusão. Logo na primeira tentativa, veio a falecer.

Na tentativa de explicar sua morte, duas versões, conflitantes, foram dadas: a primeira aparece no jornal O Triângulo e afirma que “após a operação, notou-se ligeira recuperação da vítima, melhora que se fez, entretanto, de curta duração. Pouco mais de duas horas, seu estado agravou-se, vindo o Dr. João Ferreira Rosa a falecer”.

Uma outra versão, presente na memória das pessoas que vivenciaram este fato histórico, dá conta de que o sangue usado na transfusão seria incompatível com o tipo sanguíneo de João Rosa, sendo sua morte ocasionada por este motivo.

Assim que ocorreu o atentado contra a vida de João Rosa, Lauro Fontoura, secretário geral do PSD de Uberaba, telefonou ao recém-eleito governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, amigo pessoal da vítima, afim de inteirá-lo dos fatos. Por esse mesmo canal de comunicação, o governador também fora informado, mais tarde, da morte do prefeito de Veríssimo.

As investigações policiais levadas a cabo após a morte de João Ferreira Rosa jamais conseguiram apontar os mandantes do crime e, consequentemente, seu assassino nunca fora encontrado.

Feliz 2007


Prezados Amigos,
Desejo a todos um ano de 2007 repleto de alegria, realizações e muita saúde. Na foto acima, mostramos a iluminação de fim de ano do Parque Fernando Costa.

Novo Artigo Jornal da Manhã 31/12/2007

PEDIDOS ANÔNIMOS

Quem tem acompanhado nossos artigos, publicados neste espaço, já deve ter percebido nossa predileção por uma História que contemple as massas anônimas, colocando-as como protagonistas dos eventos históricos. Temos procurado demonstrar que a história se passa ao nosso redor e somos, todos, parte dela. Pois bem. Hoje quero continuar falando de anônimos, de pedidos anônimos, para ser mais exato. Vejamos os relatos abaixo:

Relato 01: “Querido Papai Noel, tenho dezoito anos e estudei até a sétima série. Sou muito trabalhadeira. Gostaria que realizasse um sonho meu: queria ter um serviço fixo. Sei que sou muito grande para esse tipo de coisa [escrever ao Papai Noel], mas esse é o meu sonho. Preciso trabalhar e lutar para conseguir minha casa. Tenho dois filhos: um de quatro e outro de dois anos. Quero trabalhar para poder dar coisas boas para eles. Até hoje acredito em Papai-Noel e acho que todos deveriam acreditar”.

Relato 02: “Querido Papai Noel, tenho nove anos. Se você puder, eu quero ganhar a casa da Barbie. Meu pai é entregador de carnes e ele não pode me dar os brinquedos dos meus sonhos. Minha mãe não trabalha, ela é doente de uma doença que não tem cura. Eu tenho um irmão de sete anos e o sonho dele é ter uma bicicleta. Eu moro numa casa de fundo de três cômodos que meu pai aluga”.

Relato 03: “Querido Papai Noel, tenho sete anos. Eu queria muito um pedreiro para ajudar o meu pai acabar de arrumar a minha casa. O meu pai não sabe fazer casa e está demorando muito acabar de fazer”.

Relato 04: “Querido Papai Noel, estou te escrevendo porque gostaria de ganhar um par de patins. Sempre quis ter um, não importa o modelo. Meu pai não pode me dar, pois ele está desempregado e não tem condições agora. Tenho mais duas irmãs e fica difícil dar presentes para nós três. Um dia as coisas aqui em casa vai melhorar porque nós acreditamos muito em Deus. Tenho onze anos e te desejo toda felicidade do mundo”.

Estes relatos fizeram parte das quase duas mil cartas que foram enviadas, via Correios, ao bom velhinho, projeto intitulado “Papai Noel dos Correios”. Seus remetentes pertencem a um grupo que, certamente, não entrou em amigo-secreto e tampouco colocou presente embaixo da árvore.

A idéia dos Correios é bem simples, porém merece destaque: depois de anos recebendo cartas endereçadas ao Papai Noel, a empresa resolveu aproximar os milhares de remetentes às pessoas que, com certa dose de boa-vontade, pudessem, ao menos em parte, satisfazerem seus pedidos.
Em sua grande maioria, são pedidos simples de pessoas igualmente simples. E também pobres, muitas semi-analfabetas, mas que aproveitam a oportunidade para externar seus desejos e, sobretudo suas angústias: angústia com a casa pequena, que mal cabe a família; angústia por não ter o brinquedo dos sonhos; angústia por ter que criar dois filhos pequenos, mesmo estando desempregada; angústia por ver um pai inábil para as atividades de pedreiro, mas mesmo assim se dispondo a construir a tão sonhada casa própria, entre outros.

Aproveitam também, os destinatários para através dessas cartas, sentirem-se menos excluídos e abandonados. E aqueles que dão a sorte de encontrar alguém que lhes satisfaçam seus desejos, recebem, junto com o presente, a oportunidade de comemorar o natal de uma forma mais digna e humana. Dignidade é sentimento universal, desejado por todos e em todos os momentos, não somente em datas comemorativas.

Entretanto, nem todos fizeram pedidos; alguns aconselharam. Vejamos o relato 05: “Querido Papai Noel, tudo bem? Quero agradecer por sua atenção. E agradeço muito ao nosso bom Deus por tudo e por todas as bênçãos. Peço apenas que as pessoas coloquem em prática algumas virtudes: amor, fraternidade, humildade, sinceridade, compreensão, tolerância e desprendimento. Peço que transmita essas virtudes aos demais nossos irmãos e ensine como devemos colocar em prática”.

Aproveitemos o ano que se inicia para fazermos uma reflexão sobre esse conselho e o coloquemos em prática. Se não na sua totalidade, ao menos em parte. Feliz 2007.

Novo Artigo Jornal da Manhã 10/12/2006

OS ANTAGONISMOS DO COTIDIANO

Nas suas experiências cotidianas, os sujeitos históricos buscam dar sentido as suas práticas. As ações humanas precisam ser legitimadas com códigos de representação que criam núcleos de sentidos entre aqueles que as praticam. Assim, a uniformidade de pensamento nem sempre é alcançada e o que vemos é o surgimento de posturas culturais que variam de acordo com as intencionalidades de seus atores. Vejamos um exemplo.

O ano é 1965 e estamos em plena ditadura militar. Os estudantes universitários uberabenses dividiam seu tempo entre estudar os grandes temas da política nacional – os efeitos da Lei Suplicy de Lacerda no Movimento Estudantil, por exemplo – e questões de âmbito mais local – entre elas, a obrigatoriedade do uso de paletó para irem as sessões noturnas dos cinemas.

Inconformados com tal obrigatoriedade, o Diretório Central dos Estudantes, que naquele outubro de 1965 tinha como presidente o acadêmico Raimundo Ralid, encaminhou, no dia 07 do referido mês, um ofício às Empresas Cinematográficas de Uberaba, administradoras dos cinemas locais (Cine Teatro Vera Cruz, Cine Metrópole, Cine Uberaba Palace e Cine Royal. Os dois primeiros ainda estão em atividade. O terceiro e o quarto foram desativados e nos seus lugares, hoje, funcionam um bingo e uma pizzaria, respectivamente), reivindicando “a abolição do uso de paletó ou agasalhos necessários ao ingresso às sessões noturnas”, conforme o Relatório do DCE de Uberaba Gestão 65/66, documento pertencente ao Arquivo Público de Uberaba.

Argumentavam, os estudantes, que assistir a uma sessão de “cinema exige uma predisposição intelectual em que não se justifica uma preocupação estética”. Diziam mais: as condições climáticas da cidade, juntamente com um caráter discriminatório de tal medida, não conciliavam com o “espírito progressista e dinâmico que anima a direção destas Empresas”.

Mesmo os estudantes se cercando de tais argumentos, as Empresas Cinematográficas de Uberaba, em ofício datado do dia 13 do mesmo mês, assinado pelo Sr. Hugo Rodrigues da Cunha, diretor-gerente, nega o pedido dos estudantes, alegando que, embora “os costumes tenham evoluído através dos tempos, tendendo à simplificação e à economia”, tal norma (o uso do paletó nas sessões noturnas) atendia a uma grande parcela da população que não via com bons olhos tais mudanças nos costumes.

Em represália à negativa da Cia. Cinematográfica São Luiz, o Conselho Universitário dos estudantes, depois de muito deliberar sobre o assunto, decidiu organizar um protesto: optaram por fazer uma fila boba – prática que consistia em vários estudantes ficarem na fila, mas não comprarem os ingressos para a respectiva sessão. Como resultado dessa atitude, teriam os estudantes sido atacados pela polícia. Voltemos ao anteriormente citado documento: “A Cia. Cinematográfica São Luiz mobilizou o Sr. delegado de polícia, que elaborou um aparato policial para acabar com a pacífica “fila boba”. Estudantes foram presos e espancados. E o que foi pior, numa arbitrariedade do Sr. delegado, fomos taxados de subversivos e comunistas na imprensa local, somente por pretendermos a abolição de um uso obsoleto e tacanho.”

Como podemos perceber, participar da história é experimentar contradições e ambigüidades. Os conflitos experimentados, os antagonismos produzidos pelos indivíduos nos remetem a novas possibilidades de interpretação e de representação do mundo.