17.1.07

Novo Artigo Jornal da Manhã 10/12/2006

OS ANTAGONISMOS DO COTIDIANO

Nas suas experiências cotidianas, os sujeitos históricos buscam dar sentido as suas práticas. As ações humanas precisam ser legitimadas com códigos de representação que criam núcleos de sentidos entre aqueles que as praticam. Assim, a uniformidade de pensamento nem sempre é alcançada e o que vemos é o surgimento de posturas culturais que variam de acordo com as intencionalidades de seus atores. Vejamos um exemplo.

O ano é 1965 e estamos em plena ditadura militar. Os estudantes universitários uberabenses dividiam seu tempo entre estudar os grandes temas da política nacional – os efeitos da Lei Suplicy de Lacerda no Movimento Estudantil, por exemplo – e questões de âmbito mais local – entre elas, a obrigatoriedade do uso de paletó para irem as sessões noturnas dos cinemas.

Inconformados com tal obrigatoriedade, o Diretório Central dos Estudantes, que naquele outubro de 1965 tinha como presidente o acadêmico Raimundo Ralid, encaminhou, no dia 07 do referido mês, um ofício às Empresas Cinematográficas de Uberaba, administradoras dos cinemas locais (Cine Teatro Vera Cruz, Cine Metrópole, Cine Uberaba Palace e Cine Royal. Os dois primeiros ainda estão em atividade. O terceiro e o quarto foram desativados e nos seus lugares, hoje, funcionam um bingo e uma pizzaria, respectivamente), reivindicando “a abolição do uso de paletó ou agasalhos necessários ao ingresso às sessões noturnas”, conforme o Relatório do DCE de Uberaba Gestão 65/66, documento pertencente ao Arquivo Público de Uberaba.

Argumentavam, os estudantes, que assistir a uma sessão de “cinema exige uma predisposição intelectual em que não se justifica uma preocupação estética”. Diziam mais: as condições climáticas da cidade, juntamente com um caráter discriminatório de tal medida, não conciliavam com o “espírito progressista e dinâmico que anima a direção destas Empresas”.

Mesmo os estudantes se cercando de tais argumentos, as Empresas Cinematográficas de Uberaba, em ofício datado do dia 13 do mesmo mês, assinado pelo Sr. Hugo Rodrigues da Cunha, diretor-gerente, nega o pedido dos estudantes, alegando que, embora “os costumes tenham evoluído através dos tempos, tendendo à simplificação e à economia”, tal norma (o uso do paletó nas sessões noturnas) atendia a uma grande parcela da população que não via com bons olhos tais mudanças nos costumes.

Em represália à negativa da Cia. Cinematográfica São Luiz, o Conselho Universitário dos estudantes, depois de muito deliberar sobre o assunto, decidiu organizar um protesto: optaram por fazer uma fila boba – prática que consistia em vários estudantes ficarem na fila, mas não comprarem os ingressos para a respectiva sessão. Como resultado dessa atitude, teriam os estudantes sido atacados pela polícia. Voltemos ao anteriormente citado documento: “A Cia. Cinematográfica São Luiz mobilizou o Sr. delegado de polícia, que elaborou um aparato policial para acabar com a pacífica “fila boba”. Estudantes foram presos e espancados. E o que foi pior, numa arbitrariedade do Sr. delegado, fomos taxados de subversivos e comunistas na imprensa local, somente por pretendermos a abolição de um uso obsoleto e tacanho.”

Como podemos perceber, participar da história é experimentar contradições e ambigüidades. Os conflitos experimentados, os antagonismos produzidos pelos indivíduos nos remetem a novas possibilidades de interpretação e de representação do mundo.

Um comentário:

  1. Foram nestes espaços, Cine Vera Cruz, Cine Uberaba Palace e Cine Metrópole.Apaixone pelo filme, nasceu na infância, nos matinês e no matinais no Palace.
    Houve uma época em 1980 que o Que o grêmio acadêmico da Faculdade Federal de Medicina do Triangulo havia uma sessão de arte às 22h e era um filme comentado. Uma vez por semana. Não recordo-me o dia da semana.
    A magia do filme levou –me a pesquisar filme como uma linguagem da mídia na escola.
    Tenho saudades, destes espaços, Hoje poderia está formando mais pessoas criticas.
    Somente o Cine Vera Cruz que aconteceu o resgate do espaço e cultural?
    Estou longe de Uberaba há muitos anos...Não Sem sei o que aconteceu direito.
    Faça um resgate das histórias dos espaços culturais(cinema) de uberaba. Também estudei no Zezão...boas lembranças.

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