26.11.06

Novo Artigo - Jornal da Manhã - Publicado em 26/11/2006

BIOGRAFIAS

As biografias, ou seja, relatos sobre a história de vida das pessoas, estão na moda. Podemos vê-las nos cinemas, nas mini-séries, nos romances. As livrarias criaram uma estante especialmente dedicada a elas. Também nas narrativas historiográficas, as biografias estão lá. Aliás, acho que sempre estiveram. Há muito os historiadores preocupam-se em descrever os feitos e as memoráveis de homens que, devido as suas atitudes, chamaram a atenção.

Entretanto, existem algumas formas usadas na confecção de uma biografia. Podemos, de maneira rápida, agrupá-las em duas categorias: as biografias tradicionais e as renovadas.
Nas biografias tradicionais, encontramos uma descrição linear dos fatos vividos pelo indivíduo ao longo do seu tempo de vida. A biografia tradicional é amplamente identificada com um tipo de história que tratava apenas dos grandes homens e de seus feitos, perpetuando uma versão dos fatos históricos a partir dos vencedores.

Nas biografias renovadas, por sua vez, encontramos a necessidade de problematizar toda a experiência do indivíduo, sendo possível, por meio dessas problematizações, inferir experiências que ampliem as conjunturas particulares, alcançando os nexos e contornos mais generalizantes. É como se por intermédio das experiências particulares dos sujeitos se abrisse inúmeras possibilidades de análises que permitissem compreender situações para além das suas próprias. Os elementos de formação de vivências individuais são gestados nas suas experiências sociais e nas experiências sociais dos grupos aos quais pertenceu.

Dessa forma, o historiador deve adotar os procedimentos metodológicos da nova biografia que, utilizando-se do individual, busca-se o diálogo permanente com sua realidade contextual. Biografar o indivíduo e o seu entorno é demarcar e dialogar com os problemas de seu tempo. Phillippe Levillain, importante historiador francês diz: “A biografia [renovada] reassume uma função a meio caminho entre o particular e o coletivo, exercício apropriado para identificar uma figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação distribuída a outros segundo os mesmos modelos, analisar as relações entre desígnio pessoal e forças convergentes ou concorrentes, fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios”.

O que se busca com a nova biografia histórica é captar o senso de realidade dos problemas sociais através da concretude das experiências de vida. Assim, construímos também o contexto no qual age o indivíduo. Aquilo que Pierre Bourdieu chama de “superfície social”: uma pluralidade de itinerários possíveis, de atrações múltiplas, não-lineares e mutantes a todo o momento, o que nos leva, enquanto historiadores, ao hercúleo esforço para não construirmos modelos que tratam de uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e estável.

Evidentemente, uma construção biográfica é uma tentativa de dar sentido, tornar inteligível, descortinar a lógica que rege essa ou aquela escolha dos sujeitos biografados. No entanto, seria uma ilusão, para usarmos um termo do próprio Bourdieu, engessarmos esse sujeito em escolhas homogêneas, não-contraditórias e totalmente conscientes, fazendo da sua história de vida um “artefato socialmente irrepreensível”.

Uma análise crítica, segundo Bourdieu, dos processos sociais em intersecção com as trajetórias de vida dos indivíduos ou grupos de indivíduos “conduz à construção da noção de trajetória como série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações”.

Portanto, devemo-nos desviar de toda construção biográfica de cunho narcísico, que nada mais faz do que constatar a posteriori aquilo que o indivíduo já é a priori, vendo no desenrolar de suas vivências aquilo que já estava nele desde sempre, só conseguindo ver, em ato, aquilo que já estava presente em potência, em que todos os movimentos desse indivíduo deixam de existir. Dessa forma, torna-se o sujeito aquilo para o qual ele sempre tendeu, em que o discurso biográfico construído nada mais faz do que legitimar as ações do biografado.

14.11.06

Novo Artigo Jornal da Manhã - Publicado em 12/11/2006

A HISTÓRIA LOCAL E SUAS POSSIBILIDADES DE INVESTIGAÇÃO HISTORIOGRÁFICA

Acreditou-se, durante um bom tempo, que escrever a história era descrever os eventos vividos pelo homem sempre apoiado em interpretações generalizantes, nas quais somente as “grandes questões” tinham espaço.

A partir do momento que as análises globalizantes não deram conta de explicar os problemas do homem anônimo, paradigmas historiográficos começaram a ser questionados: novas fontes, em especial, as orais, passaram a ser incorporadas ao rol de investigação do historiador; novas perguntas foram feitas a essas fontes; uma atitude irremediável de associação com outras ciências humanas, sobretudo a antropologia e a sociologia, visando não a uma explicação cabal, e sim a uma maior compreensão do nosso objeto de investigação. E foi, a partir daí, que os contornos mais sutis passaram a também ser considerados oficio do historiador.

Mas ter seu ofício reconhecido não resolve os problema do historiador do local. Ao contrário, aqui eles começam. É preciso, agora, que o historiador sustente suas afirmações, dê consistência a suas análises. Em outras palavras, é preciso que o historiador pergunte por onde anda a legitimidade do seu ofício; é preciso que se questionem as possibilidades de uma investigação historiográfica em que o local passa a ser o cenário da história.

E, para responder a essas indagações, o historiador do local deve ter clareza das suas prerrogativas metodológicas. Afirmando com o professor Agnaldo de Souza Barbosa: “o principal desafio metodológico para a história local é o problema da relação tempo-história que precisa, pelos historiadores, ser revista”. A história generalizante trabalha com a noção de tempo uniforme, comum a todos os espaços, uma espécie de superestrutura da história global. À história local importa a apreensão do tempo dos lugares, o tempo realmente vivido por cada localidade, composto por um amálgama de experiências distintas dos pólos hegemônicos num mesmo momento histórico.

Mas é preciso também ter em mente que tentar ver nas partes somente uma micro-reprodução do todo é não entender, de fato, o que acontece tanto na parte como no todo. É homogeneizar relações não homogêneas. Por isso podemos dizer que o grande avanço da história local é a busca das singularidades, diversidade na história e, sobretudo, o respeito aos detalhes.

Uma outra discussão muito salutar ao historiador do local é a própria definição do que é local. Muitas críticas já nos foram feitas, sobretudo aos historiadores que tomam como medida do espaço local a geografia política, quando definimos o espaço local apenas como sendo a cidade, o município, o estado da federação, etc.

No lugar dessa definição meramente geográfica, preferimos uma delimitação dos recortes espaciais que levem em conta a historicidade dos espaços. Assim, preferimos a definição do que é local dependente das relações que determinada região mantém com as outras em diferentes momentos históricos.

Uma última reflexão: o objetivo central, ao menos no nosso entender, da história local é fornecer elementos que não podemos deixar de levar em conta quando tentamos compreender as diversas variáveis que constituem o sistema global de interpretações históricas, dando-nos elementos para que tenhamos condições de criticar as grandes generalizações de nossa história.
A consideração acima se faz necessária na medida que alguns dos historiadores que se ocupam da história local ainda o fazem tendo em mente a idéia equivocada de construção de uma história nacional a partir do somatório das diversas histórias locais.

Diante do que foi exposto, fica claro que as possibilidades de uma investigação historiográfica partindo da prática de uma história local são perfeitamente possíveis. No entanto, toda vigilância é necessária para que não façamos dessa nova escrita da história uma babel onde tudo caiba, correndo o risco de perder sua finalidade.

23.10.06

Mais detalhes do lugar - Praça da Liberdade Zumbi dos Palmares












































Novo Artigo - Jornal da Manhã - Publicado em 22/10/2006

A estação ferroviária original de Uberaba, nos anos 1920.



A ESCRITA DA LUZ E A ESCRITA DA HISTÓRIA


Hoje, para todo lado que olha, o historiador ouve vozes. Isso porque, com os avanços teóricos e metodológicos trazidos pelas recentes discussões no campo da escrita da história, ele se vê diante de novas fontes historiográficas, passando a ter um novo repertório de objetos a serem analisados, uma verdadeira “revolução documental”, que muito contribui para um alargamento do conceito de documento.

A escrita da luz – a nossa fotografia – é uma dessas vozes que mais clama por um ouvido que possa escutá-la. Mais: possa também, além de escutá-la, compreendê-la. Fonte de memória bruta, a fotografia, desde que foi inventada em meados do século XIX, tornou o mundo familiar. O homem passou a ter um conhecimento mais preciso e amplo de outras realidades que lhe eram, até aquele momento, transmitidas unicamente pela tradição escrita, verbal ou pictórica.

Entrementes, como a fotografia é um fragmento de um mundo mais amplo, o conhecimento trazido por ela necessita de uma contextualização, posto que é um conhecimento obtido através do detalhe. Dito de outra forma: para se escutarem as vozes que ecoam das fotografias, antes de tudo, é preciso compreender a tensão permanente existente entre aquilo que se fotografou e o contexto que lhe deu origem.

Isso porque toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo, e, portanto, da vida. O fragmento selecionado do real, a partir do instante em que foi registrado, permanecerá para todo o sempre interrompido e isolado. Diante disso, pode-se afirmar que a fotografia, tomada nesses termos, é uma re-apresentação da realidade. É dessa forma que se torna um documento histórico, uma fonte histórica.

Nessa perspectiva, o fotógrafo é um elemento muito importante nessa trama, uma vez que é ele quem seleciona um determinado detalhe do real a ser memorizado. Pela sua escolha, sempre intencional, podemos inferir elementos acerca do funcionamento da mentalidade do objeto fotografado. Isso nos permite dizer que o fotógrafo é, para o outro, um fabricador de versões da realidade, uma vez que, ao escolher uma cena a ser registrada, exerce um certo controle da memória.

Para não se tomar a versão do fotógrafo como sendo a única possível, é preciso superar as intenções daquele que a produziu. O valor e o alcance da fotografia enquanto documento histórico está na razão direta de quem consegue, em função de sua bagagem cultural, sensibilidade, experiência humana e profissional, formular-lhes as perguntas corretas e adequadas.

Outro aspecto a ser lembrado quando se toma a fotografia com a função de compreender o passado é perceber que a cena registrada na imagem não se repetirá jamais. Dessa forma, o historiador tem diante de si a perpetuação de um momento. Se quisermos, a perpetuação da memória: memória individual, memória coletiva, memória dos costumes, da natureza, etc.


Sendo a fotografia um resíduo daquilo que se foi, contemplá-la e compreendê-la é acessar um tempo histórico não mais disponível, entretanto, presente. Presente, sobretudo, na comoção de que somos tomados ao giramos a chave do passado e, dessa forma, trazermos de volta para o presente um turbilhão de emoções esquecidas, mas que graças ao contato com o fotograma não está condenado ao esquecimento.

11.10.06

Novos Historiadores - Gustavo Vitor Pena

Conheci Gustavo Vitor Pena quando estávamos fazendo matrícula no curso de História da UNIUBE, em fins de 2000. Lá estava ele, com seu jeito tímido, observador. Comentamos algo que hoje eu não me lembro mais. Em sala de aula, Gustavo sempre foi de falar depois de todos nós. Eu falava muito, depois falava o Paulo (que também falava muito), depois eu de novo (sempre falei demais). Vez ou outra os colegas falavam. Todos com observações pertinentes ao que se estava discutindo. Mas quando Gustavo falava, tudo, absolutamente tudo, era tido. Se éramos parciais em nossas análises, Gustavo era total. No primeiro dia de curso, ele disse que iria conquistar o mundo (o que lhe rebdeu o apelido de Ming, imperador do planeta que leva seu nome e antagonista do Flash Gordon). Não duvido. Erudição, rigor de análise, texto inconfundível e um ótimo camarada: essas são algumas de suas (muitas) virtudes. Gustavo, atualmente, divide-se entre o Mestrado na UFU e a profissão de professor de história. Abaixo, suas respostas.

1) Fale da sua trajetória intelectual (seria uma pequena biografia).

Nascido e criado nesta cidade fiz o primário na Escola Estadual Uberaba (hoje encampada pelo município), uma parte do ensino fundamental na Escola Estadual Lauro Fontoura e o restante desde, assim como o ensino médio, no Colégio Tiradentes da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Depois, antes de entrar no ensino superior, fiz alguns cursos técnicos, como Patologia Clínica e Comunicação de Rádio e TV. Nesse meio tempo, ganhei um concurso de contos promovido pela Academia de Letras do Triângulo Mineiro, além de menções honrosas em outros, inclusive com a publicação de um trabalho numa antologia pela editora Litteris. Em 2001 entrei para a Universidade de Uberaba, onde, 4 anos depois, me licenciei plenamente em História. Um ano depois, entrei como aluno regular no mestrado – linha história e cultura – da Universidade Federal de Uberlândia, onde estou até hoje, dividindo meu tempo com a rede estadual de ensino, na qual sou professor.

2) Descreva o seu projeto de pesquisa.

Omnem crede diem tibi diluxisse supremum. Assim já nos admoestava o poeta latino Horácio: “faz de conta que cada dia é o último que brilha para ti”. Essa sentença nos remete, inexoravelmente, a idéia de cotidiano, que por sua vez, é uma das vertentes de pesquisa abrigadas sob a égide da Escola dos Annales. Amparado pelas novas perspectivas de abordagens históricas introduzidas pela história das mentalidades, eu abordo em meu trabalho a vida cotidiana em Uberaba na década de trinta do século XX – mais especificamente, sobre a influência que a morte exercia na vida diária destes uberabenses. Para esta pesquisa, levo em conta o período compreendido entre 1934 a 1939, uma vez que no Arquivo Público Municipal de Uberaba, são esses os exemplares do jornal Gazeta de Uberaba que se encontram em melhores condições de manuseio – periódico esse que se constituirá em minha principal fonte histórica.

Procuro avaliar como o jornal supracitado tratava o assunto, e qual a ressonância que a forma usada pelo periódico tinha na população. Posso adiantar que constatei um certo “elitismo” nos obituários pesquisados, pois as menções sobre o falecimento de pessoas comuns neste periódico foram deveras raras. Partindo desta observação, procurei saber o porquê desta postura, ao mesmo tempo em que tentei recuperar, trazer do limbo do esquecimento, esses sujeitos comuns que não figuravam nos obituários, mas cujas memórias são importantíssimas demais para não fazerem parte deste grande emaranhado de fios que é a memória de uma cidade.

Um obituário era, antes de ser um informativo, algo que demonstrava status. Mais do que comunicar a morte e o local do sepultamento, era uma oportunidade para as famílias se exibirem à sociedade, uma vez que todas as supostas virtudes do defunto (minuciosamente registradas), ocupavam grande parte da nota de falecimento.A História Oral também me é de grande valia, uma vez que por meio dela poderei recuperar impressões que não me seriam possíveis de serem obtidas somente com o estudo das fontes escritas, ao mesmo tempo em que ela me ajudará a compreender como o imaginário local tratava essa questão.

3) Como você tem visto o crescente interesse pela história?

Tenho visto com muito entusiasmo, pois todo esse interesse, além de já ser deveras saudável por si só, ainda pode ser canalizado para abranger outros interesses do poder público e da sociedade em geral, como a preservação do patrimônio da cidade, a conscientização dos cidadãos enquanto seres pertencentes a uma comunidade, da necessidade da celebração de nossas figuras históricas... Como disciplina de referência, a História pode suscitar discussões que refletem diretamente em outros campos, atingindo a todas as pessoas, gerando uma onda de interesse que, se bem fomentada pelos historiadores, será capaz de transformar socialmente o município em um pólo de pessoas conscientes e de cidadãos exemplares.

4) Podemos falar de uma nova geração de historiadores aqui, em Uberaba, tendo em vista nossos respectivos trabalhos? Você se sente pertencente a ela?

O curso de História da Uniube permaneceu por algum tempo fechado, o que certamente foi um dos fatores que contribuíram para essa aparente “apatia” de trabalhos históricos em Uberaba. Digo aparente porque, mesmo durante esse período, algumas pesquisas acabaram acontecendo, embora não sendo conduzidas necessariamente por historiadores, mas por outros profissionais, como advogados, médicos e jornalistas. Com o ressurgimento do curso, um novo impulso foi dado, e muitas jovens cabeças estão sendo estimuladas em apresentar projetos neste sentido. Acredito que essa “lufada” de vento fresco não será fugaz, tamanha a qualidade dos trabalhos que conheço dos meus colegas que, assim como eu, resolveram prosseguir na vida acadêmica depois do diploma. Apesar de não possuir o mesmo talento de meus colegas, me sinto honrado em ser contemporâneo dessa geração, que certamente elevará o nome de Uberaba como berço de pródigos acadêmicos.

5) Se sim, onde você vê que essa geração se separa dos demais historiadores (seria na metodologia utilizada, nos temas dos nossos trabalhos, nas fontes, etc)?

Poderia dizer que o principal mérito desta nova geração está em seus objetos de estudo, na opção de trabalhar com a história local. Uberaba é uma cidade carente de dados sobre seu próprio passado, e se beneficiará muito dos avanços desta geração, que está literalmente desbravando fronteiras, chamando a atenção de todos para que recuperemos o que resta de nosso âmago, antes que seja tarde demais. Se essa geração puder conscientizar a todos da importância de se conservar nosso patrimônio, ela já terá cumprido sua missão.

6) E por fim: na sua opinião, quem tem medo da história local?

Aqueles que acham, em nome da ambição desenfreada e da falta de compromisso com o futuro, mais interessante derrubar um casarão e construir um estacionamento do que preservar e conceder o legado do passado às gerações futuras.

Novo artigo Jornal da Manhã - Publicado em 08/10/2006


A SIMPLICIDADE ERUDITA DE ROGER CHARTIER

No último dia 28 de setembro, estive, juntamente com outros colegas historiadores, na Universidade Federal de Uberlândia a fim de ouvir uma palestra, intitulada A Nova História Cultural, proferida por um dos mais importantes historiadores da atualidade: o francês Roger Chartier. Entre outras ocupações, o professor Chartier é diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, onde leciona disciplinas relacionadas com a história das práticas culturais e história da leitura. O seu seminal artigo O Mundo como Representação – além de outras obras – abriram novas possibilidades no campo historiográfico, especialmente aqueles ligados à história cultural.

Apenas para situar, de forma muito breve, a história cultural é uma maneira de se escrever a história que leva em conta uma especial afeição pelo informal e apresenta caminhos alternativos para a investigação histórica, indo onde as abordagens tradicionais não foram. Nessa forma de se escrever a história, são deixadas de lado interpretações generalistas e globalizantes. Para tanto, nos aconselha Roger Chartier, o historiador da cultura deve entender as manifestações culturais como prática, e sugere para seu entendimento os conceitos de Representação e Apropriação.

A Representação seria analisar as ausências por intermédio de práticas simbólicas, uma vez que o ausente em-si não pode mais ser visitado. Segundo Sandra Pesavento, historiadora que comenta a obra de Chartier, “representar é estar no lugar de; é a presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência”. Já a Apropriação seria a tentativa de construir uma história social, remetida para suas determinações fundamentais, que são o social, o institucional e, sobretudo, o cultural. A história local, enquanto corrente historiográfica, só tem sido possível por conta dos avanços da história cultural.

Mas vamos voltar ao nosso encontro com Roger Chartier. Ao chegarmos ao anfiteatro, fomos surpreendidos com o fato de que a palestra seria proferida em português, não sendo necessário haver tradução simultânea. Interessante observar que, na maioria das vezes, os palestrantes que por aqui nos visitam, não se preocupam, nem um pouco, com isso.

Aos nos acomodarmos nas poltronas, outra surpresa: de repente um senhor na casa dos 60 anos (confesso que o julgava bem mais velho), extremamente sorridente, acenando para os presentes, senta-se na mesa central e passa a autografar, pacientemente, seus livros e deixar que as pessoas lhe tirassem fotografias. Além de conversar amigavelmente com todos a sua volta.
Sua palestra, onde procurou traçar um histórico das principais correntes da história cultural, primou pela erudição e pela precisão ao usar conceitos até certo ponto bastante complexos para serem abordados em falas breves como são as palestras. Entrementes, a simplicidade de sua postura foi traço marcante durante toda sua exposição. Ao final, respondeu a todas as perguntas que lhe foram encaminhadas.

Entretanto, o mundo acadêmico, freqüentado por ilustres professores, mestre e doutores, não é dado a simplicidades. Ao contrário: a vaidade e a empáfia são suas principais características. No encontro com Roger Chartier, aprendemos bastante sobre metodologia da história. Mas também tivemos a oportunidade de aprender algo que muito tem feito falta aos nossos intelectuais e aos ambientes por eles freqüentados: que ser simples e simpático não afeta o rigor das nossas análises nem nos torna menos competentes.

24.9.06

Novo Artigo Jornal da Manhã - 24/09/2006

Amigos, abaixo coloco novo artigo de minha autoria, publicado no Jornal da Manhã, em 24/09/2006.

FLAMENGO X UBERABA, 1º DE ABRIL DE 1981

Em 1º de abril último, fez 25 anos que o intrépido time de Boulanger Pucci proporcionou uma das maiores alegrias ao seu torcedor. Fundando em 1917, ano da Revolução Socialista na Rússia, o Uberaba Sport Clube – que, assim como os revolucionários soviéticos, adotou o vermelho como cor oficial – fazia, naquele ano de 1981, sua melhor campanha em um campeonato nacional.

O time colorado havia chegado à Taça de Ouro – a divisão de elite do futebol brasileiro – depois de uma empolgante campanha na Taça de Prata, onde enfrentou, entre outros clubes, América, Americano, ambos do Rio de Janeiro, e Vitória da Bahia. A estréia na Taça de Ouro foi no dia 08 de março de 1981 no empate contra outro Colorado, este de Curitiba, que havia sido campeão paranaense no ano anterior.

Diron, Celso, Rafael e Tim; Aldeir, Vandinho, Joãozinho, Paulo Luciano e Ilton (que corria risco de ser suspenso pela CBF); Serginho e Ney compunham o time representante do Triângulo Mineiro. O primeiro tempo está gravado na memória de todo torcedor colorado com mais de 35 anos. Logo aos 8 minutos, para a sorte dos flamenguistas, Ney perdeu gol feito. Mas aos 20 não teve jeito e Paulo Luciano fez o primeiro gol. Serginho, aos 37, ampliaria o placar. Um Maracanã atônito e completamente abarrotado de torcedores rubro-negros não entendia o que estava acontecendo, uma vez que o Uberaba Sport Clube mandava no jogo e, como diria este mesmo Jornal da Manhã de 02 de abril de 1981, “colocava o Flamengo na rodinha”.

Do outro lado, estavam em campo simplesmente Raul, Carlos Alberto, Luís Pereira, Marinho e Júnior; Vitor, Adílio, Zico e Tita; Nunes e Carlos Henrique, defendendo o time do Flamengo de Futebol e Regatas, o então atual campeão brasileiro e que viria a ser também campeão do mundo no Japão, ganhando do Liverpool, da Inglaterra, por três tentos a zero. No meio do caminho, o escrete flamenguista ainda ganhou a Copa Libertadores da América em cima do Cobreloa do Chile.

Zico, o craque do poderoso time e da seleção brasileira – que naquela ocasião era comandada por Telê Santana – foi completamente anulado em campo pela firme marcação de Vandinho. Diron, experiente goleiro, comandava uma defesa bem postada, Paulo Luciano, mesmo não estando na melhor de suas formas físicas, desfilava sua elegância em campo e Ney infernizava a defesa rubro-negra, sempre aproveitando os cruzamentos que os antigos pontas alçavam na grande área. Do banco, Domingos Baroni – o indefectível Mingo – coordenava as jogadas.

Findado o primeiro tempo, a alegria dos colorados era imensa por ver seu time do coração sair do interior do Triângulo Mineiro e ganhar, ainda que parcialmente, do todo poderoso Flamengo. Samuel Resende, vascaíno doente (portanto, anti-flamenguista), não resistiu à tentação e, no intervalo, do jogo partiu para a provocação com os torcedores rubro-negros que eram seus vizinhos no bairro universitário e que assistiam ao jogo no bar do “seu” Laércio.

Uberaba e Flamengo já haviam disputado outra partida no dia 10 de março do mesmo ano no estádio Engenheiro João Guido, o Uberabão, completamente lotado. O escrete colorado saiu na frente, mas o juiz Roberto Nunes Morgado não deixou o USC ganhar o jogo, validando um gol do atacante Nunes em clamoroso impedimento. Logo, o prélio do Maracanã tinha um sabor todo especial para os uberabenses: vingar a injustiça do jogo anterior e a possibilidade de jogadores simples, comuns, anônimos para o futebol nacional, demarcaram seus espaços e mostraram que ilustres desconhecidos também poderiam entrar para a história.

Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, o futebol é um dos poucos itens trazidos pelos colonizadores que foi dominado por nós. “É, pois, um iniludível exemplo de que podemos aprender com os outros e mostrar, sobretudo a nós mesmos, que podemos ser os melhores”, afirma DaMatta. E era exatamente isso que estava acontecendo naquele momento: homens simples, anônimos tornando-se protagonistas de sua trama social, inserindo-se num contexto mais amplo e tomando a história em suas mãos.

Bom, mas o que aconteceu no segundo tempo da partida? Interessante... do segundo tempo, não me lembro de nada...

16.9.06

Novos Historiadores - Paulo Roberto de Souza

Quero inaugurar um novo espaço dentro do Quem tem Medo da História Local? Trata-se de pequenas entrevistas com historiadores que estão dando novo vigor à historiografia local. Com suas pesquisas e publicações, estamos podendo tomar contato com informações extremamente relevantes para decifrar a contrução de nossa identidade. Há um elemento comum, unindo meus entrevistados: de alguma maneira, o viés metodológico usado nas suas pesquisas tocam na História Local.

O primeiro deles é Paulo Roberto de Souza, historiador formado pela UNIUBE em 2004. Atualmente, Paulo Roberto divide-se entre as aulas de história e o segundo ano de seu mestrado pela UFU.

Conheci Paulo Roberto no curso de Licenciatura Plena em História da Uniube, Universidade de Uberaba, em 2001, onde fomos da mesma turma. Logo nos primeiros dias de aula, percebemos, eu e os demais colegas, que tínhamos um líder. Tanto que o elegemos para ser representante da turma, juntamente com a colega Érika. No dia-a-dia, Paulo Roberto sempre foi muito afável e a amizade foi se formando. Houve momentos em que tomamos posições contrárias, sobretudo nos debates acadêmicos. Mas o respeito mútuo sempre foi a marca de nossa relação. Como Paulo Roberto já lecionava história, suas argumentações eram sempre muito bem construídas. Ao findar do curso, em 2004, Paulo Roberto foi fazer mestrado na UFU e eu, pouco depois, fui para a UNESP. Abaixo, um pouco das idéias e pontos de vista desse importante historiador.

Mozart Lacerda Filho: Prezado Paulo, fale um pouco da sua trajetória intelectual

Paulo Roberto de Souza: Meu nome é Paulo Roberto de Souza, nascido em Divino MG na Zona da Mata. Depois de passar por Ipatinga me transferi de Poços de Caldas para Uberaba, para dar partida na Fosfértil. Minha primeira profissão foi de Eletrotécnico, o que me valeu três empregos, respectivamente na Usiminas, em 1972, na Alcoa em 1977 e Fosfértil em 1979. Em 1981 me ingressei no curso de Direito na Uniube, mas não segui carreira no universo jurídico. Em 2001 a Uniube reabriu o curso de História, que me abriu uma nova perspectiva. Colei grau no dia 13 de janeiro de 2005. Em 17 de dezembro de 2004, antes de colar grau eu já havia sido selecionado para o Mestrado em História Social da Universidade Federal de Uberândia, na Linha de Pesquisa denominada Trabalho e Movimentos Sociais, e provavelmente defenderei a Dissertação ainda este ano, 2006.

MLF: Descreva o seu projeto de pesquisa

PRS: O meu projeto de pesquisa aborda um conflito social acontecido em Ipatinga- MG, em 7 de outubro de 1963, mais precisamente entre trabalhadores da Usiminas e a polícia local. Na ocasião, centenas de trabalhadores foram sumariamente metralhados, e dezenas deles perderam a vida. Os dados oficiais confirmam a morte de apenas sete pessoas, mas a recomposição desses fatos através da metodologia da História oral permitiu-me colher as impressões de vários trabalhadores que vivenciaram esses trágicos dias, e essas impressões apontam em outra direção. A minha problemática gira em torno de um grande imbróglio político. Nesta data, a conspiração golpista já estava em curso e Magalhães Pinto, governador de Minas e golpista histórico, teria aproveitado a oportunidade para fazer um teste de força sobre a classe trabalhadora, no sentido de analisar sua capacidade de reação na eminência de um golpe militar, que se consolidaria em março de 1964, cinco meses após o Massacre de Ipatinga. Estaria a classe trabalhadora suficientemente preparada para reagir ao iminente golpe?

MLF: Como você tem visto o crescente interesse pela história?

PSR: Vejo esse crescimento com muita alegria. Durante o período da ditadura militar nós tínhamos uma preocupação enorme com nossa própria História, mas o manto sinistro da ditadura nos impediu de conhecê-la, e esse ranço durou até a última semana do governo de FHC. Faltando apenas três dias para o fim do seu governo, FHC editou o Decreto 4553, criando o sigilo eterno para os documentos referentes ao período da ditadura. Felizmente o decreto foi revogado no Governo Lula, o que permitiu trazer à tona a nossa verdadeira história, que hoje é objeto de análise pela nova geração de historiadores.

MLF: Podemos falar de uma nova geração de historiadores aqui, em Uberaba, tendo em vista nossos respectivos trabalhos? Você se sente pertencente a ela? Se sim, onde você vê que essa geração se separa dos demais historiadores (seria na metodologia utilizada, nos temas dos nossos trabalhos, nas fontes, etc)?

PRS: Evidente que me insiro, com muita humildade, entre essa nova geração de historiadores, e pretendo dar minha contribuição para elencar essas muitas memórias e outras histórias que compõem os muitos períodos da História do Brasil. O ponto que vejo como um divisor de águas entre a nova geração de historiadores e os mais remotos da nossa história, versa justamente sobre as fontes com as quais nós dialogamos. Em um período mais remoto, somente o documento era aceito como fonte de história, a nova geração ousa mais e utiliza fontes que vão desde os documentos, como a história oral de quem vivenciou o momento, ou daquilo que permanece vivo no imaginário das pessoas.

MLF: Paulo Roberto, quem tem medo da história local?

PRS: Não há que ter medo da história local: medo é o caminho mais curto para a escravidão e ter medo da história local, é submeter-se à escravidão ideológica ditada por velhos coronéis do período provinciano. Temos que trazer à tona essa riqueza imensa que existe por todos os cantos do Brasil. Temos o dever de dar visibilidade ao processo de formação das nossas cidades, das nossas indústrias e das nossas instituições, pois esses espaços tornaram-se campos de disputas, e foi justamente neles que os agentes históricos imprimiram suas marcas ao longo do tempo. Portanto, entendo como nosso dever, dar visibilidade à história local como sendo a grande contribuição desses novos sujeitos históricos, ora reconhecidos agentes da nova geração de historiadores. “Não fossem os homens, as cidades seriam verdadeiros cemitérios”

Entrevista com Zuenir Ventura

1968, o Ano que Não Terminou (Editora Nova Fronteira) foi o primeiro livro que eu li sobre a ditadura militar. Escrito em 1988, quando os acontecimentos de 68 completaram 20 anos, este livro é referência para quem deseja compreender melhor este fatídico ano. Dessa primeira leitura (já li mais de 4 vezes), veio o desejo de entender os anos de chumbo da ditadura militar e suas conseqüências para a cultura política brasileira. A experiência causada pela leitura do livro somada às aulas de Brasil República com o professor Euphranor e a curiosidade sobre a figura de Gildo Macedo Lacerda (o que eu sabia à época é que ele, militante do Movimento Estudantil, havia sido morto pelos órgãos de repressão da ditadura militar), despertaram o meu desejo de pesquisar mais sobre o assunto. Essa curiosidade resultou na minha dissertação de mestrado, onde Gildo é o principal personagem.

Vamos a uma pequena resenha do livro:

1968, no plano internacional, foi um ano impar, singular: a Tchecoslováquia se rebelou contra o domínio soviético, os estudantes franceses tomaram Paris, os hippies apareceram, os negros se impuseram, os Beatles inovaram com suas músicas psicodélicas e as mulheres queimaram os sutiãs. Foi uma revolução estética, política e cultural que mudou o rumo do século 20. No Brasil, as notícias sobre Praga e Paris incendiaram os estudantes, que saíram às ruas para protestar contra o regime militar instaurado em 1964. Internamente, o país sentia os reflexos das mudanças internacionais e a população percebia que era importante protestar. Aí o governo publicou o Ato Institucional número 5, o AI-5, em 13 de dezembro – uma sexta-feira - que fechou o Brasil para o mundo. Em "1968, o ano que não terminou", o jornalista Zuenir Ventura reconstitui a grande aventura de uma geração que transformou o Brasil. A narrativa baseia-se em memória própria e em pesquisa rigorosa feita nos jornais e revistas da época e atualizados por dezenas de entrevistas de políticos, intelectuais e artistas ao autor. Mais que a reconstituição histórica de um período em forma de grande reportagem, "1968, o ano que não terminou", é a biografia romanceada de um país, com personagens verdadeiros que sonhavam em transformar o mundo. O livro pode ser adquirido na Livraria Alternativa pelo telefone 3333 6824.

Entrevista com Zuenir Ventura

O jornalista Zuenir Ventura esteve em Uberaba no dia 12 de setembro palestrando sobre sua atuação jornalística e seu trabalho como escritor. Profissional de grande envergadura, Zuenir trabalhou nos mais importantes órgãos da imprensa nacional, destacando a revista Visão, onde foi colega de Vladimir Herzog, Paulo Francis, Fernando Morais, entre outros. Atualmente é cronista no Jornal do Brasil. Expectador privilegiado dos acontecimentos dos últimos 40 anos, Zuenir Ventura escreveu, entre outros, 1968: o Ano que não Terminou e Minhas Histórias dos Outros. O jornalista concedeu-me essa pequena entrevista ao na tarde do dia 12.

Mozart Lacerda Filho: Zuenir, você continua achando que 1968 não terminou?

Zuenir Ventura: Essa pergunta sempre me é feita e acho que por isso mesmo significa que 1968 não terminou. O legado de 68 foi um legado muito forte, ainda é muito presente e é uma época muito estudada. Pra você ter uma idéia, esse livro foi lançado em 1988 e continua vendendo até hoje, continua sendo adotado em várias universidades, por diversos cursos. Menos pelos méritos do livro e mais pela permanência do tema.

MLF: Muitos dizem que no tempo dos militares, o país caminhava melhor, que não havia corrupção, violência etc. Sendo um expectador privilegiado das ações da ditadura militar (1964-1984), o que você acha desses comentários?

ZV. Esse tipo de pensamento é pura ilusão. Eu fico preocupado quando os jovens dizem que no tempo dos militares era melhor, que não tinha a violência nem a corrupção que tem hoje. Tinha muito mais, só que não se sabia porque havia a censura, havia a tortura. A liberdade é o melhor bem que a gente tem e nada paga essa possibilidade que temos hoje de dizer o que quer, da maneira que quer, poder criticar todos os poderes, todas as instituições. Naquela época, essa conversa poderia ser considerada uma conversa subversiva. Só quem não viveu, pode pensar que, de alguma maneira, o tempo da ditadura foi melhor do que hoje. Nada daquele tempo foi melhor do que hoje, apesar de todos nossos problemas e de tudo que nos estamos enfrentando.

MLF: Durante muito tempo esperou-se um governo de esquerda e achava-se que ele encaminharia o país rumo a horizontes melhores. Hoje temos um governo que, se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda. Eu gostaria que você fizesse um balanço sobre esses quatro anos do governo do Presidente Lula.

ZV. Pra começar, eu não sei se este governo é de esquerda ou de centro esquerda. Isso é muito questionável. O que acontece é o seguinte: foi, de qualquer maneira, um bom teste. Veja que quando se chega ao poder, as coisas ficam diferentes. Todas as expectativas, todos os sonhos, todas as promessas, sobretudo, nem sempre podem ser cumpridas. Eu acho que o que o PT e o Lula, sobretudo, fizeram, foi prometer uma série de coisas e acabaram não cumprindo. Daí a decepção diante de uma expectativa que era tão grande e de uma esperança que era maior ainda. Por um lado, prometeram uma agenda impossível de ser cumprida; por outro, fizeram o contrário do que prometeram.

11.9.06

Outros Detalhes do Lugar






Os amigos vão me dar licença, mas vou falar novamente sobre outras igrejas de Uberaba. As suas torres sempre me chamaram atenção. As fotos que trago desta vez são da fachada da Igreja Santa Teresinha, das torres da Igreja São Domingos e do Cristo da Catedral Metropolitana de Uberaba.

A primeira foto, da Igreja Santa Teresinha, foi tirada da calçada da praça que a abriga, bem em frente a porta principal.

A foto das torres da São Domingos foi tirada do entrocamento da av. Leopoldino de Oliveira com a rua Segismundo Mendes. Me foi sugerido usar o photoshop e "apagar" os fios, garantindo, assim, uma melhor estética. Não posso fazer isso, pois estaria falseando o detalhe. Prefiro prejudicar a estética, mas garantir a veracidade da imagem. Afinal de contas, os fios existem, não é mesmo?

Já a fota do Cristo da Catedral, foi tirada da Praça Rui Barbosa, bem em frente as grades do portão principal (elas são mesmo necessárias?).

Abaixo, um breve histórico de cada uma delas.

A Catedral Metropolitana de Uberaba começou a ser construída em 1827, passando desde então por inúmeras reformas. Com a trasferência da sede do Bispado de Goiás para Uberaba, em 1899, a Igreja da Matriz ganhou prerrogativas de Catedral. Em 1907, a Catedral é transferida para a Igreja Adoração Perpétua, recém construída. Mas em 1926, Dom Almeida Lustosa, 2º Bispo de Uberaba retornou a Catedral para a Igreja da Matriz e, assim permanece até hoje. As atuais feições da Catedral Metropolitana de Uberaba deve-se a última grande reforma, realizada em 1933.

A primeira Igreja dedicada a Santa Teresinha foi inaugurada em 31 de março de 1929 e demolida em 1961, dando lugar ao atual templo. Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, Bispo de Uberaba à época, deu sua benção para a nova construção no dia 02 de outubro de 1960. As obras ficaram aos encargos do engenheiro uberabense João Laterza. Finalmente, no dia 07 de março de 1965, foi realizada a primeira missa.

A pedra fundamental da Igreja São Domingos foi lançada pelos padres dominicanos em 1895, mas sua inauguração só ocorreu em 1904, ainda sem as torres, as quais foram terminadas em 1914. Por esse motivo ficaram com estilo diferente da construção original, que é toda construída em tapiocanga de cor avermelhada.

Voltamos, depois, com mais detalhes do lugar. Abraços...

10.9.06

Artigo Jornal da Manhã, 10/09/2006.


Prezados Amigos,
É realmente uma pena que o Desemboque, hoje um vilarejo semi-abandonado, encontre-se na situação que se encontra. Outrora berço de toda a civilização do Triângulo Mineiro, hoje não passa de um amontoado de casas. No entanto, as duas Igrejas, ambas do século XVIII, ainda resistem. No meu artigo desse domingo, publicado pelo Jornal da Manhã, discuto a importância da memória coletiva e aponto o Desemboque como legítimo exemplo desse tipo de memória. Abraços e boa leitura.

DESEMBOQUE: DOCUMENTO DA NOSSA MEMÓRIA COLETIVA

A memória é a maneira escolhida pelo homem para preservar o tempo. Quando evocamos uma lembrança, por vezes escondida nos recônditos de nossa memória, trazemos para o presente algo que já não existe mais, mas que, naquele momento, torna-se vivo novamente. Segundo Santo Agostinho, filósofo medieval, é na memória “que me encontro a mim mesmo” e, por isso, podemos afirmar que ter memória é ter identidade.

Entrementes, a memória não pode ser conjugada apenas no singular. É preciso conjugá-la também no plural, uma vez que as sociedades constroem suas memórias. E ela está gravada nos monumentos históricos, nas narrativas míticas, nos álbuns de família, nas festas santas, no conjunto arquitetônico das cidades etc. Ao debruçarmo-nos sobre ela, tomamos contato com uma herança que nos auxilia na construção de um “eu” social. É a dimensão histórica da memória, a qual Maurice Halbwachs chamou de memória coletiva.

Estou tecendo essas considerações porque recentemente estive, de passagem, na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Velhas, nome depois alterado para Nossa Senhora do Desterro do Dezemboque. O nosso querido Desemboque, berço de toda civilização do Triângulo Mineiro, e que, infelizmente, vive hoje em franca decadência.

A fundação do Desemboque deu-se no conjunto de desenvolvimento das povoações que se formaram, em Minas Gerais, ao redor das minas de ouro. Entre 1735 e 1740, dependendo do historiador, o Guarda-Mor Feliciano Cardoso de Camargo, junto com outros companheiros, fundou, na margem esquerda do rio das Abelhas – hoje rio das Velhas – um pequeno povoado, que seria a gênese do Desemboque.

No auge de seu desenvolvimento, o Desemboque tinha aproximadamente 190 casas e uma população por volta de mil habitantes. Segundo o historiador Borges Sampaio, entre 1743 e 1781, saíram das minas do Desemboque 100 arrobas de ouro. Padres, autoridades militares, garimpeiros, escravos, prostitutas, oficiais da coroa portuguesa, criminosos de todas as espécies, entre outros, formaram sua heterogênea população.

Em dois de março de 1766 foi criado o Julgado do Desemboque que abrangia todo o Triângulo Mineiro e sul de Goiás, dando-nos uma noção da importância que o povoamento tinha para a região.

Iniciada em 1743, concluída em 1754 e erguida em homenagem à virgem protetora dos que estão desterrados de seus lares, a Igreja de Nossa Senhora do Desterro ainda resiste aos maus-tratos. Mais de vinte imagens de inestimável valor histórico já enfeitaram seus altares. Hoje apenas Nossa Senhora da Conceição pode ser vista pelos poucos que se aventuram a visitar o lugar. Como os negros eram proibidos de freqüentar os mesmos lugares que os brancos, foi construído, no final do século XVIII, um templo para homenagear Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, santa protetora dos escravos.

Quando as minas de ouro começaram a se esgotar, o Desemboque foi perdendo sua importância, sua população foi rareando, e a mineração foi, aos poucos, sendo substituída pelas atividades rurais que exigiam bem menos mão-de-obra. Hoje restam apenas algumas famílias e, se nada de concreto for feito, muito em breve, nada mais restará. Com o desaparecimento do Desemboque desaparecerá um dos mais contundentes e importantes documentos da nossa memória coletiva.

27.8.06

Mais Detalhes do Lugar


No último dia 15, tivemos as comemorações do dia da Padroeira da cidade, Nossa Senhora da Abadia. Milhares de romeiros e devotos se reuniram para homenagear a santa. O Seu Santuario foi fundado em 1884 próximo a uma fonte considerada miligrosa. A imagem da santa pode ser vista de vários pontos da cidade, sobretudo a noite, quando uma luz azulada a envolve, destacando seus contornos. O bairro da Abadia é o maior bairro da cidade, onde destaca-se o seu intenso comércio. A quem diga que o bairro da Abadia até parece outra cidade.

26.8.06

Artigo Jornal da Manhã 25/08/2006

Amigos, o artigo abaixo é uma espécie de homenagem a Célia Garcia Macedo Lacerda, a d. Célia. Ela era mãe de Gildo Macedo Lacerda, mineiro de Ituitaba - mas que morou em Uberaba, onde começou sua militância política. Gildo, e sua participação no Movimento Estudantil (mineiro e nacional), é o porsonagem central de minha dissertação de mestrado. Já publiquei um pequeno texto tratando da sua biografia. Para quem se interessar, visite o seguinte link: http://www.urutagua.uem.br/005/13his_lacerdaf.htm. Vamos ao artigo, então.
CHORAM CÉLIAS E ZUZUS NO SOLO DO BRASIL


O filme Zuzu Angel, de Sergio Rezende, conta a vida da estilista e figurinista Zuleika Angel Jones, nascida em Curvelo, Minas Gerais. Ela era mãe de Stuart Edgar Angel Jones, estudante que foi morto pelas forças de repressão da ditadura militar em 1971. Zuzu Angel nunca pôde enterrar o corpo do filho morto, uma vez que ele fora jogado ao mar.
Célia Garcia Macedo Lacerda, mineira de Ituiutaba, mudou-se para Uberaba em 1963 e foram, ela, o marido e os três filhos, morarem na Praça Dr. Thomás Ulhôa, a Praça do Tênis. Além de serem mineiras, uma outra triste coincidência unem essas duas mulheres: assim como Zuzu Angel, dona Célia também não pôde enterrar seu filho, Gildo Macedo Lacerda, que também foi morto pela ditadura militar, no dia 28 de outubro de 1973, em Recife.
Ainda em Uberaba, Gildo ─ motivado por ideais estudantis de igualdade social, democracia para o povo brasileiro e um futuro de dignidade humana ─ entrou para o Movimento Estudantil secundarista e, em 1965, sua chapa ganha as eleições da União Estudantil Uberabense ─ UEU ─ para a gestão 65/66. Com sua ida para Belo Horizonte, em 1967, troca a militância estudantil secundarista pela militância universitária, então como membro da Ação Popular ─ AP ─, organização com raízes na esquerda católica e que contestava os abusos cometidos pelo regime militar implantado em abril de 1964, por força de um golpe civil-militar.
Em 1968, Gildo entrou para o curso de Ciências Econômicas da UFMG, tornou-se membro do Diretório Acadêmico dessa faculdade e foi designado para ir ao XXX Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes ─ UNE ─ em Ibiúna, estado de São Paulo. Como o Movimento Estudantil sofria forte repressão, o Congresso foi descoberto, os estudantes presos e Gildo foi, então, alvo de um Inquérito Policial Militar, o famigerado IPM.
Em 26 de fevereiro de 1969, o governo ditatorial baixou o Decreto-lei nº 477 que definia infrações disciplinares praticadas por estudantes, professores e funcionários de ensino público ou particular. Com essa medida, Gildo foi obrigado a entrar para a clandestinidade. Também em 1969, Gildo foi eleito vice-presidente da UNE e passou a integrar o núcleo central da AP.
Esta, por ser uma organização que buscava aproximar-se das massas populares a fim de conscientizá-las sobre os desmandos que ocorriam nos porões da ditadura, passou a ter seus membros ─ e as idéias divulgadas ─ vistos como obstáculos para as pretensões autoritárias do regime militar. Em função disso, o nome de Gildo passou a figurar, já em 1969, em uma lista de militantes ─ elaborada pelos serviços de informação ─ que deveriam ser presos, torturados e mortos.
A morte de Gildo Macedo Lacerda foi divulgada em 1º de novembro de 1973. Daí em diante, sua família empreendeu uma verdadeira batalha jurídica para reaver seu corpo e elucidar as verdadeiras causas de sua morte, uma vez que os órgãos de repressão montaram uma farsa para justificar seu assassinato. No entanto, os esforços foram em vão. Gildo foi enterrado como indigente no Cemitério da Várzea, em Recife, e em 1986 seus restos mortais foram encaminhados para uma vala comum no cemitério Parque das Flores, sem jamais chegar à sua família.
Célia Garcia Macedo Lacerda faleceu no dia 26 de fevereiro de 2005 sem poder dar um digno enterro a seu filho.

20.8.06

Detalhes do Lugar



Amigos,
Uma das principais mudanças obeservadas nas pessoas que começam a descobrir a riqueza do seu espaço local é o valor que elas passam a dar a detalhes de coisas bastante conhecidas, mas que antes não eram enxergadas. Como a história local parte de uma investigação em pequena escala sobre os eventos estudados, saber captar esses pequenos detalhes é muito importante. Diante disso, quero iniciar neste espaço uma discussão que objetiva aprimorar o modo como vemos nosso entorno e seus significativos detalhes. Trata-se de uma série de fotografias, tiradas por mim, de lugares que vamos todos os dias ou que, ao menos, conhecemos bem, mas que não prestamos a devida atenção. Vamos começar com uma fotografia do pôr do sol tirada da Avenida Nenê Sabino, próximo à Universidade de Uberaba. Usei uma máquina Pentax MZ-M, lente teleobjetiva, filme asa 400 e foquei o sol ao máximo, na tentativa de escurecer o primeiro plano realçando o tom alaranjado, que a luz do sol emite nestas horas. O efeito é esse que vemos na fotografia. Pois bem... detalhes como este do nosso espaço local está disponível a nós todos os dias. É só aprendermos a enxergá-los. Até a próxima.

15.8.06

Quem tem Medo da História Local?


Este artigo, publicado originalmente no Jornal da Manhã (edição de 13/08/2006), pretende ser o primeiro de uma série onde a História Local será tema de nossas reflexões. Estará presente neste espaço tanto exemplos vivos de História Local quanto discussões de cunho metodológico, onde abordaremos as possibilidades e os limites da História Local. A micro-história, outra corrente historiográfica, também aparecerá por aqui.


Recentemente o jornalista Juca Kfouri escreveu na Folha de S. Paulo (24/07/2006, p. D3) que, hoje em dia, assistir aos jogos dos campeonatos locais e torcer pelo nosso time do coração é “incomparavelmente mais gostoso” do que ver os jogos da Copa do Mundo e torcer pela seleção brasileira. Tanto concordo com ele que quando o intrépido esquadrão do Uberaba Sport Clube só empatou com Valério em casa e o Tupi venceu o Juventus ─ combinação de resultados que adiou os planos do colorado de retornar a elite do futebol mineiro em 2007 ─ fiquei muito mais aborrecido do que com o vexame do escrete canarinho em plagas alemãs. E se você também pensa assim, saiba que não há nada de errado conosco.

O que nos acomete é um processo de identificação muito mais focado no nosso espaço local do que em percepções generalistas e globalizantes. Dito de outra forma: o que acontece ao nosso redor nos é mais importante (ou pelo menos deveria ser) do que aquilo que acontece distante de nossa realidade. Segundo o professor Luiz Reznick, historiador da Universidade Federal Fluminense, “a contigüidade territorial, a proximidade espacial, as relações de vizinhança e cotidianidade estabelecem uma ética de pertencimento singular”. E essa sensação de pertencimento nos faz sentir seguros, uma vez que no espaço local as pessoas e as coisas me são familiares.

Quero aproveitar a idéia acima esboçada para discutir a importância, cada vez maior, do espaço local. Não só historiadores deram-se conta disso, mas sociólogos e antropólogos também. Aliás, a interdisciplinaridade é marca registrada da história local. Compreenderam, esses intelectuais, que por intermédio de pequenos recortes históricos, podem ser alcançados e identificados contextos mais amplos outrora incompreensíveis. Diminuindo-se a escala de abrangência do objeto estudado, podemos perceber detalhes que para um olhar mais apressado seria impossível perceber.

A forma como a história tradicional compreende os fenômenos históricos, torna-os distantes da vida das pessoas. Fala-se nos grandes homens, nos grandes heróis que no dia x do mês y do ano z fizeram e desfizeram coisas. Homens que agiram iluminados pela certeza de estarem fazendo o correto, que não tinham dúvidas, que nunca titubeavam. Faz-se assim uma história idealizada, alienante e distante da concretude da vida real. E é por isso que os alunos, muitas vezes, não gostam de estudar história. Que sentido há em se estudar algo que não me diz respeito?

Essa idealização, e conseqüente distanciamento das pessoas em relação aos processos históricos, é item a ser combatido na história local, para quem todo homem passa a ser agente da história. A história local se interessa pelas massas anônimas, por contar a história das pessoas simples e sua vida cotidiana. Entende a história local que essas pessoas simples e suas histórias igualmente simples também compõe o cenário daquilo que chamamos de história.

É preciso ressaltar que a história local não abandona as normas, a regra geral, circunscrevendo-se em si mesma. O que ela propõe é entender essas normas gerais a partir de análises particulares. O pesquisador do ambiente local, usando instrumentos adequados, sabe que é possível alcançar uma macro-história através de uma micro-história. O contrário nem sempre se dá.

Fernando Pessoa, na figura de Alberto Caeiro, dizia que “o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia”, por uma razão muito simples: “o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.