10.9.06

Artigo Jornal da Manhã, 10/09/2006.


Prezados Amigos,
É realmente uma pena que o Desemboque, hoje um vilarejo semi-abandonado, encontre-se na situação que se encontra. Outrora berço de toda a civilização do Triângulo Mineiro, hoje não passa de um amontoado de casas. No entanto, as duas Igrejas, ambas do século XVIII, ainda resistem. No meu artigo desse domingo, publicado pelo Jornal da Manhã, discuto a importância da memória coletiva e aponto o Desemboque como legítimo exemplo desse tipo de memória. Abraços e boa leitura.

DESEMBOQUE: DOCUMENTO DA NOSSA MEMÓRIA COLETIVA

A memória é a maneira escolhida pelo homem para preservar o tempo. Quando evocamos uma lembrança, por vezes escondida nos recônditos de nossa memória, trazemos para o presente algo que já não existe mais, mas que, naquele momento, torna-se vivo novamente. Segundo Santo Agostinho, filósofo medieval, é na memória “que me encontro a mim mesmo” e, por isso, podemos afirmar que ter memória é ter identidade.

Entrementes, a memória não pode ser conjugada apenas no singular. É preciso conjugá-la também no plural, uma vez que as sociedades constroem suas memórias. E ela está gravada nos monumentos históricos, nas narrativas míticas, nos álbuns de família, nas festas santas, no conjunto arquitetônico das cidades etc. Ao debruçarmo-nos sobre ela, tomamos contato com uma herança que nos auxilia na construção de um “eu” social. É a dimensão histórica da memória, a qual Maurice Halbwachs chamou de memória coletiva.

Estou tecendo essas considerações porque recentemente estive, de passagem, na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Velhas, nome depois alterado para Nossa Senhora do Desterro do Dezemboque. O nosso querido Desemboque, berço de toda civilização do Triângulo Mineiro, e que, infelizmente, vive hoje em franca decadência.

A fundação do Desemboque deu-se no conjunto de desenvolvimento das povoações que se formaram, em Minas Gerais, ao redor das minas de ouro. Entre 1735 e 1740, dependendo do historiador, o Guarda-Mor Feliciano Cardoso de Camargo, junto com outros companheiros, fundou, na margem esquerda do rio das Abelhas – hoje rio das Velhas – um pequeno povoado, que seria a gênese do Desemboque.

No auge de seu desenvolvimento, o Desemboque tinha aproximadamente 190 casas e uma população por volta de mil habitantes. Segundo o historiador Borges Sampaio, entre 1743 e 1781, saíram das minas do Desemboque 100 arrobas de ouro. Padres, autoridades militares, garimpeiros, escravos, prostitutas, oficiais da coroa portuguesa, criminosos de todas as espécies, entre outros, formaram sua heterogênea população.

Em dois de março de 1766 foi criado o Julgado do Desemboque que abrangia todo o Triângulo Mineiro e sul de Goiás, dando-nos uma noção da importância que o povoamento tinha para a região.

Iniciada em 1743, concluída em 1754 e erguida em homenagem à virgem protetora dos que estão desterrados de seus lares, a Igreja de Nossa Senhora do Desterro ainda resiste aos maus-tratos. Mais de vinte imagens de inestimável valor histórico já enfeitaram seus altares. Hoje apenas Nossa Senhora da Conceição pode ser vista pelos poucos que se aventuram a visitar o lugar. Como os negros eram proibidos de freqüentar os mesmos lugares que os brancos, foi construído, no final do século XVIII, um templo para homenagear Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, santa protetora dos escravos.

Quando as minas de ouro começaram a se esgotar, o Desemboque foi perdendo sua importância, sua população foi rareando, e a mineração foi, aos poucos, sendo substituída pelas atividades rurais que exigiam bem menos mão-de-obra. Hoje restam apenas algumas famílias e, se nada de concreto for feito, muito em breve, nada mais restará. Com o desaparecimento do Desemboque desaparecerá um dos mais contundentes e importantes documentos da nossa memória coletiva.

3 comentários:

  1. Anônimo19:21:00

    Até que enfim!
    Até que enfim!
    Até que enfim.... Nanana nananana!
    Até que enfim voce decidiu publicar alguma coisa. Monumentos históricos do triangulo. Nao tem como, o povo nao ajuda, enquanto alguns acharem que história é no museu, vai só se acabando.
    Hoje vim dar um recado. Tive a ousadia de estar divulgando, no meu ultimo post, a respeito da filosofia do colégio e do livro Personalismo, depois de uma olhada no post e nos comentários do pessoal.
    Marina

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  2. E aí, Marina, beleza? Pois é... a história não está só nos museus, você tem toda razão. Essa é uma visão turva do vem a ser a história e do que vem a ser a relação do homem com a história. Veja que ela é ainda marcada pelo distanciamento. Como você pôde perceber, a história ocorre a ceu aberto. Dê uma olhada nas novas fotos que publiquei e me diga o que achou. Abraços...

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  3. Sr. Mozart

    Ao informar que "Em dois de março de 1766 foi criado o Julgado do Desemboque que abrangia todo o Triângulo Mineiro e sul de Goiás", o senhor se esqueceu de dizer que esse Julgado foi criado pela Prelazia e depois Bispado da Capitania de Goiás, à qual, pertencia todo Triângulo, então, Triângulo Goiano. Somente no ano de 1815, pelo abuso de poder e pela força política da mega-capitania de Minas Gerais foi que conseguimos esbulhar de Goiás, esse território hoje chamado de Triângulo Mineiro.
    Quanto ao início e término da construção da igreja do Desemboque, 1743 a 1754... o senhor poderia nos citar alguma fonte DOCUMENTAL dessa informação?
    Tarcísio José Martins
    tjmar@uol.com.br

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