16.9.06

Entrevista com Zuenir Ventura

1968, o Ano que Não Terminou (Editora Nova Fronteira) foi o primeiro livro que eu li sobre a ditadura militar. Escrito em 1988, quando os acontecimentos de 68 completaram 20 anos, este livro é referência para quem deseja compreender melhor este fatídico ano. Dessa primeira leitura (já li mais de 4 vezes), veio o desejo de entender os anos de chumbo da ditadura militar e suas conseqüências para a cultura política brasileira. A experiência causada pela leitura do livro somada às aulas de Brasil República com o professor Euphranor e a curiosidade sobre a figura de Gildo Macedo Lacerda (o que eu sabia à época é que ele, militante do Movimento Estudantil, havia sido morto pelos órgãos de repressão da ditadura militar), despertaram o meu desejo de pesquisar mais sobre o assunto. Essa curiosidade resultou na minha dissertação de mestrado, onde Gildo é o principal personagem.

Vamos a uma pequena resenha do livro:

1968, no plano internacional, foi um ano impar, singular: a Tchecoslováquia se rebelou contra o domínio soviético, os estudantes franceses tomaram Paris, os hippies apareceram, os negros se impuseram, os Beatles inovaram com suas músicas psicodélicas e as mulheres queimaram os sutiãs. Foi uma revolução estética, política e cultural que mudou o rumo do século 20. No Brasil, as notícias sobre Praga e Paris incendiaram os estudantes, que saíram às ruas para protestar contra o regime militar instaurado em 1964. Internamente, o país sentia os reflexos das mudanças internacionais e a população percebia que era importante protestar. Aí o governo publicou o Ato Institucional número 5, o AI-5, em 13 de dezembro – uma sexta-feira - que fechou o Brasil para o mundo. Em "1968, o ano que não terminou", o jornalista Zuenir Ventura reconstitui a grande aventura de uma geração que transformou o Brasil. A narrativa baseia-se em memória própria e em pesquisa rigorosa feita nos jornais e revistas da época e atualizados por dezenas de entrevistas de políticos, intelectuais e artistas ao autor. Mais que a reconstituição histórica de um período em forma de grande reportagem, "1968, o ano que não terminou", é a biografia romanceada de um país, com personagens verdadeiros que sonhavam em transformar o mundo. O livro pode ser adquirido na Livraria Alternativa pelo telefone 3333 6824.

Entrevista com Zuenir Ventura

O jornalista Zuenir Ventura esteve em Uberaba no dia 12 de setembro palestrando sobre sua atuação jornalística e seu trabalho como escritor. Profissional de grande envergadura, Zuenir trabalhou nos mais importantes órgãos da imprensa nacional, destacando a revista Visão, onde foi colega de Vladimir Herzog, Paulo Francis, Fernando Morais, entre outros. Atualmente é cronista no Jornal do Brasil. Expectador privilegiado dos acontecimentos dos últimos 40 anos, Zuenir Ventura escreveu, entre outros, 1968: o Ano que não Terminou e Minhas Histórias dos Outros. O jornalista concedeu-me essa pequena entrevista ao na tarde do dia 12.

Mozart Lacerda Filho: Zuenir, você continua achando que 1968 não terminou?

Zuenir Ventura: Essa pergunta sempre me é feita e acho que por isso mesmo significa que 1968 não terminou. O legado de 68 foi um legado muito forte, ainda é muito presente e é uma época muito estudada. Pra você ter uma idéia, esse livro foi lançado em 1988 e continua vendendo até hoje, continua sendo adotado em várias universidades, por diversos cursos. Menos pelos méritos do livro e mais pela permanência do tema.

MLF: Muitos dizem que no tempo dos militares, o país caminhava melhor, que não havia corrupção, violência etc. Sendo um expectador privilegiado das ações da ditadura militar (1964-1984), o que você acha desses comentários?

ZV. Esse tipo de pensamento é pura ilusão. Eu fico preocupado quando os jovens dizem que no tempo dos militares era melhor, que não tinha a violência nem a corrupção que tem hoje. Tinha muito mais, só que não se sabia porque havia a censura, havia a tortura. A liberdade é o melhor bem que a gente tem e nada paga essa possibilidade que temos hoje de dizer o que quer, da maneira que quer, poder criticar todos os poderes, todas as instituições. Naquela época, essa conversa poderia ser considerada uma conversa subversiva. Só quem não viveu, pode pensar que, de alguma maneira, o tempo da ditadura foi melhor do que hoje. Nada daquele tempo foi melhor do que hoje, apesar de todos nossos problemas e de tudo que nos estamos enfrentando.

MLF: Durante muito tempo esperou-se um governo de esquerda e achava-se que ele encaminharia o país rumo a horizontes melhores. Hoje temos um governo que, se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda. Eu gostaria que você fizesse um balanço sobre esses quatro anos do governo do Presidente Lula.

ZV. Pra começar, eu não sei se este governo é de esquerda ou de centro esquerda. Isso é muito questionável. O que acontece é o seguinte: foi, de qualquer maneira, um bom teste. Veja que quando se chega ao poder, as coisas ficam diferentes. Todas as expectativas, todos os sonhos, todas as promessas, sobretudo, nem sempre podem ser cumpridas. Eu acho que o que o PT e o Lula, sobretudo, fizeram, foi prometer uma série de coisas e acabaram não cumprindo. Daí a decepção diante de uma expectativa que era tão grande e de uma esperança que era maior ainda. Por um lado, prometeram uma agenda impossível de ser cumprida; por outro, fizeram o contrário do que prometeram.

2 comentários:

  1. Anônimo08:31:00

    Mozart, eu tinha visto a entrevista, mas só agora parei pra ler. Até eu fiquei querendo saber mais sobre 1968, sobre Gildo e sobre essa época, principalmente porque, vivi momentos nos quais alguns universitários, amigos de minha família ouviam, em casa, os discos de Geraldo Vandré,com o volume no mínimo, pois era perigoso "pessoas" saberem que ele estava sendo ouvido, naquela casa. Só mais tarde fui entender o perigo que corríamos.
    Acho que esse é um dos papéis dos relatos históricos: despertar o interesse pelo que não se viveu, mas foi vivido por outros antes de nós e fazer da experiência um salto para aprofundar o conhecimento, nossa maior riqueza. A sua dissertação pode ser lida em algum lugar?

    Um abraço!

    Iara

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  2. Olá Iara, tudo bem? Como sempre, seus comentários são enriquecedores. Concordo com vc: a história do não-vivido pode (e deve) ser compartilhada por quem não a viveu. Compartilhada não no sentido de recosntrução. Um evento histórico, pelo menos ao meu ver, não pode ser reconstruído. Acho que eles podem ser representados. Ou seja: apresentados novamente; com novas conjecturas, novas críticas, novas indagações, etc... Quero saber com mais detalhes esse negócio de escutar o Vandré com som baixo... Detalha isso: com nomes, época, datas (se você lembrar). Me interessei. Quanto a dissertação, estou dando os últimos retoques. Assim que terminar, envio uma cópia para vc. Quem sabe o arquivo não a publica, hein??? Abraços e volte sempre.

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