16.9.06

Novos Historiadores - Paulo Roberto de Souza

Quero inaugurar um novo espaço dentro do Quem tem Medo da História Local? Trata-se de pequenas entrevistas com historiadores que estão dando novo vigor à historiografia local. Com suas pesquisas e publicações, estamos podendo tomar contato com informações extremamente relevantes para decifrar a contrução de nossa identidade. Há um elemento comum, unindo meus entrevistados: de alguma maneira, o viés metodológico usado nas suas pesquisas tocam na História Local.

O primeiro deles é Paulo Roberto de Souza, historiador formado pela UNIUBE em 2004. Atualmente, Paulo Roberto divide-se entre as aulas de história e o segundo ano de seu mestrado pela UFU.

Conheci Paulo Roberto no curso de Licenciatura Plena em História da Uniube, Universidade de Uberaba, em 2001, onde fomos da mesma turma. Logo nos primeiros dias de aula, percebemos, eu e os demais colegas, que tínhamos um líder. Tanto que o elegemos para ser representante da turma, juntamente com a colega Érika. No dia-a-dia, Paulo Roberto sempre foi muito afável e a amizade foi se formando. Houve momentos em que tomamos posições contrárias, sobretudo nos debates acadêmicos. Mas o respeito mútuo sempre foi a marca de nossa relação. Como Paulo Roberto já lecionava história, suas argumentações eram sempre muito bem construídas. Ao findar do curso, em 2004, Paulo Roberto foi fazer mestrado na UFU e eu, pouco depois, fui para a UNESP. Abaixo, um pouco das idéias e pontos de vista desse importante historiador.

Mozart Lacerda Filho: Prezado Paulo, fale um pouco da sua trajetória intelectual

Paulo Roberto de Souza: Meu nome é Paulo Roberto de Souza, nascido em Divino MG na Zona da Mata. Depois de passar por Ipatinga me transferi de Poços de Caldas para Uberaba, para dar partida na Fosfértil. Minha primeira profissão foi de Eletrotécnico, o que me valeu três empregos, respectivamente na Usiminas, em 1972, na Alcoa em 1977 e Fosfértil em 1979. Em 1981 me ingressei no curso de Direito na Uniube, mas não segui carreira no universo jurídico. Em 2001 a Uniube reabriu o curso de História, que me abriu uma nova perspectiva. Colei grau no dia 13 de janeiro de 2005. Em 17 de dezembro de 2004, antes de colar grau eu já havia sido selecionado para o Mestrado em História Social da Universidade Federal de Uberândia, na Linha de Pesquisa denominada Trabalho e Movimentos Sociais, e provavelmente defenderei a Dissertação ainda este ano, 2006.

MLF: Descreva o seu projeto de pesquisa

PRS: O meu projeto de pesquisa aborda um conflito social acontecido em Ipatinga- MG, em 7 de outubro de 1963, mais precisamente entre trabalhadores da Usiminas e a polícia local. Na ocasião, centenas de trabalhadores foram sumariamente metralhados, e dezenas deles perderam a vida. Os dados oficiais confirmam a morte de apenas sete pessoas, mas a recomposição desses fatos através da metodologia da História oral permitiu-me colher as impressões de vários trabalhadores que vivenciaram esses trágicos dias, e essas impressões apontam em outra direção. A minha problemática gira em torno de um grande imbróglio político. Nesta data, a conspiração golpista já estava em curso e Magalhães Pinto, governador de Minas e golpista histórico, teria aproveitado a oportunidade para fazer um teste de força sobre a classe trabalhadora, no sentido de analisar sua capacidade de reação na eminência de um golpe militar, que se consolidaria em março de 1964, cinco meses após o Massacre de Ipatinga. Estaria a classe trabalhadora suficientemente preparada para reagir ao iminente golpe?

MLF: Como você tem visto o crescente interesse pela história?

PSR: Vejo esse crescimento com muita alegria. Durante o período da ditadura militar nós tínhamos uma preocupação enorme com nossa própria História, mas o manto sinistro da ditadura nos impediu de conhecê-la, e esse ranço durou até a última semana do governo de FHC. Faltando apenas três dias para o fim do seu governo, FHC editou o Decreto 4553, criando o sigilo eterno para os documentos referentes ao período da ditadura. Felizmente o decreto foi revogado no Governo Lula, o que permitiu trazer à tona a nossa verdadeira história, que hoje é objeto de análise pela nova geração de historiadores.

MLF: Podemos falar de uma nova geração de historiadores aqui, em Uberaba, tendo em vista nossos respectivos trabalhos? Você se sente pertencente a ela? Se sim, onde você vê que essa geração se separa dos demais historiadores (seria na metodologia utilizada, nos temas dos nossos trabalhos, nas fontes, etc)?

PRS: Evidente que me insiro, com muita humildade, entre essa nova geração de historiadores, e pretendo dar minha contribuição para elencar essas muitas memórias e outras histórias que compõem os muitos períodos da História do Brasil. O ponto que vejo como um divisor de águas entre a nova geração de historiadores e os mais remotos da nossa história, versa justamente sobre as fontes com as quais nós dialogamos. Em um período mais remoto, somente o documento era aceito como fonte de história, a nova geração ousa mais e utiliza fontes que vão desde os documentos, como a história oral de quem vivenciou o momento, ou daquilo que permanece vivo no imaginário das pessoas.

MLF: Paulo Roberto, quem tem medo da história local?

PRS: Não há que ter medo da história local: medo é o caminho mais curto para a escravidão e ter medo da história local, é submeter-se à escravidão ideológica ditada por velhos coronéis do período provinciano. Temos que trazer à tona essa riqueza imensa que existe por todos os cantos do Brasil. Temos o dever de dar visibilidade ao processo de formação das nossas cidades, das nossas indústrias e das nossas instituições, pois esses espaços tornaram-se campos de disputas, e foi justamente neles que os agentes históricos imprimiram suas marcas ao longo do tempo. Portanto, entendo como nosso dever, dar visibilidade à história local como sendo a grande contribuição desses novos sujeitos históricos, ora reconhecidos agentes da nova geração de historiadores. “Não fossem os homens, as cidades seriam verdadeiros cemitérios”

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