24.9.06

Novo Artigo Jornal da Manhã - 24/09/2006

Amigos, abaixo coloco novo artigo de minha autoria, publicado no Jornal da Manhã, em 24/09/2006.

FLAMENGO X UBERABA, 1º DE ABRIL DE 1981

Em 1º de abril último, fez 25 anos que o intrépido time de Boulanger Pucci proporcionou uma das maiores alegrias ao seu torcedor. Fundando em 1917, ano da Revolução Socialista na Rússia, o Uberaba Sport Clube – que, assim como os revolucionários soviéticos, adotou o vermelho como cor oficial – fazia, naquele ano de 1981, sua melhor campanha em um campeonato nacional.

O time colorado havia chegado à Taça de Ouro – a divisão de elite do futebol brasileiro – depois de uma empolgante campanha na Taça de Prata, onde enfrentou, entre outros clubes, América, Americano, ambos do Rio de Janeiro, e Vitória da Bahia. A estréia na Taça de Ouro foi no dia 08 de março de 1981 no empate contra outro Colorado, este de Curitiba, que havia sido campeão paranaense no ano anterior.

Diron, Celso, Rafael e Tim; Aldeir, Vandinho, Joãozinho, Paulo Luciano e Ilton (que corria risco de ser suspenso pela CBF); Serginho e Ney compunham o time representante do Triângulo Mineiro. O primeiro tempo está gravado na memória de todo torcedor colorado com mais de 35 anos. Logo aos 8 minutos, para a sorte dos flamenguistas, Ney perdeu gol feito. Mas aos 20 não teve jeito e Paulo Luciano fez o primeiro gol. Serginho, aos 37, ampliaria o placar. Um Maracanã atônito e completamente abarrotado de torcedores rubro-negros não entendia o que estava acontecendo, uma vez que o Uberaba Sport Clube mandava no jogo e, como diria este mesmo Jornal da Manhã de 02 de abril de 1981, “colocava o Flamengo na rodinha”.

Do outro lado, estavam em campo simplesmente Raul, Carlos Alberto, Luís Pereira, Marinho e Júnior; Vitor, Adílio, Zico e Tita; Nunes e Carlos Henrique, defendendo o time do Flamengo de Futebol e Regatas, o então atual campeão brasileiro e que viria a ser também campeão do mundo no Japão, ganhando do Liverpool, da Inglaterra, por três tentos a zero. No meio do caminho, o escrete flamenguista ainda ganhou a Copa Libertadores da América em cima do Cobreloa do Chile.

Zico, o craque do poderoso time e da seleção brasileira – que naquela ocasião era comandada por Telê Santana – foi completamente anulado em campo pela firme marcação de Vandinho. Diron, experiente goleiro, comandava uma defesa bem postada, Paulo Luciano, mesmo não estando na melhor de suas formas físicas, desfilava sua elegância em campo e Ney infernizava a defesa rubro-negra, sempre aproveitando os cruzamentos que os antigos pontas alçavam na grande área. Do banco, Domingos Baroni – o indefectível Mingo – coordenava as jogadas.

Findado o primeiro tempo, a alegria dos colorados era imensa por ver seu time do coração sair do interior do Triângulo Mineiro e ganhar, ainda que parcialmente, do todo poderoso Flamengo. Samuel Resende, vascaíno doente (portanto, anti-flamenguista), não resistiu à tentação e, no intervalo, do jogo partiu para a provocação com os torcedores rubro-negros que eram seus vizinhos no bairro universitário e que assistiam ao jogo no bar do “seu” Laércio.

Uberaba e Flamengo já haviam disputado outra partida no dia 10 de março do mesmo ano no estádio Engenheiro João Guido, o Uberabão, completamente lotado. O escrete colorado saiu na frente, mas o juiz Roberto Nunes Morgado não deixou o USC ganhar o jogo, validando um gol do atacante Nunes em clamoroso impedimento. Logo, o prélio do Maracanã tinha um sabor todo especial para os uberabenses: vingar a injustiça do jogo anterior e a possibilidade de jogadores simples, comuns, anônimos para o futebol nacional, demarcaram seus espaços e mostraram que ilustres desconhecidos também poderiam entrar para a história.

Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, o futebol é um dos poucos itens trazidos pelos colonizadores que foi dominado por nós. “É, pois, um iniludível exemplo de que podemos aprender com os outros e mostrar, sobretudo a nós mesmos, que podemos ser os melhores”, afirma DaMatta. E era exatamente isso que estava acontecendo naquele momento: homens simples, anônimos tornando-se protagonistas de sua trama social, inserindo-se num contexto mais amplo e tomando a história em suas mãos.

Bom, mas o que aconteceu no segundo tempo da partida? Interessante... do segundo tempo, não me lembro de nada...

16.9.06

Novos Historiadores - Paulo Roberto de Souza

Quero inaugurar um novo espaço dentro do Quem tem Medo da História Local? Trata-se de pequenas entrevistas com historiadores que estão dando novo vigor à historiografia local. Com suas pesquisas e publicações, estamos podendo tomar contato com informações extremamente relevantes para decifrar a contrução de nossa identidade. Há um elemento comum, unindo meus entrevistados: de alguma maneira, o viés metodológico usado nas suas pesquisas tocam na História Local.

O primeiro deles é Paulo Roberto de Souza, historiador formado pela UNIUBE em 2004. Atualmente, Paulo Roberto divide-se entre as aulas de história e o segundo ano de seu mestrado pela UFU.

Conheci Paulo Roberto no curso de Licenciatura Plena em História da Uniube, Universidade de Uberaba, em 2001, onde fomos da mesma turma. Logo nos primeiros dias de aula, percebemos, eu e os demais colegas, que tínhamos um líder. Tanto que o elegemos para ser representante da turma, juntamente com a colega Érika. No dia-a-dia, Paulo Roberto sempre foi muito afável e a amizade foi se formando. Houve momentos em que tomamos posições contrárias, sobretudo nos debates acadêmicos. Mas o respeito mútuo sempre foi a marca de nossa relação. Como Paulo Roberto já lecionava história, suas argumentações eram sempre muito bem construídas. Ao findar do curso, em 2004, Paulo Roberto foi fazer mestrado na UFU e eu, pouco depois, fui para a UNESP. Abaixo, um pouco das idéias e pontos de vista desse importante historiador.

Mozart Lacerda Filho: Prezado Paulo, fale um pouco da sua trajetória intelectual

Paulo Roberto de Souza: Meu nome é Paulo Roberto de Souza, nascido em Divino MG na Zona da Mata. Depois de passar por Ipatinga me transferi de Poços de Caldas para Uberaba, para dar partida na Fosfértil. Minha primeira profissão foi de Eletrotécnico, o que me valeu três empregos, respectivamente na Usiminas, em 1972, na Alcoa em 1977 e Fosfértil em 1979. Em 1981 me ingressei no curso de Direito na Uniube, mas não segui carreira no universo jurídico. Em 2001 a Uniube reabriu o curso de História, que me abriu uma nova perspectiva. Colei grau no dia 13 de janeiro de 2005. Em 17 de dezembro de 2004, antes de colar grau eu já havia sido selecionado para o Mestrado em História Social da Universidade Federal de Uberândia, na Linha de Pesquisa denominada Trabalho e Movimentos Sociais, e provavelmente defenderei a Dissertação ainda este ano, 2006.

MLF: Descreva o seu projeto de pesquisa

PRS: O meu projeto de pesquisa aborda um conflito social acontecido em Ipatinga- MG, em 7 de outubro de 1963, mais precisamente entre trabalhadores da Usiminas e a polícia local. Na ocasião, centenas de trabalhadores foram sumariamente metralhados, e dezenas deles perderam a vida. Os dados oficiais confirmam a morte de apenas sete pessoas, mas a recomposição desses fatos através da metodologia da História oral permitiu-me colher as impressões de vários trabalhadores que vivenciaram esses trágicos dias, e essas impressões apontam em outra direção. A minha problemática gira em torno de um grande imbróglio político. Nesta data, a conspiração golpista já estava em curso e Magalhães Pinto, governador de Minas e golpista histórico, teria aproveitado a oportunidade para fazer um teste de força sobre a classe trabalhadora, no sentido de analisar sua capacidade de reação na eminência de um golpe militar, que se consolidaria em março de 1964, cinco meses após o Massacre de Ipatinga. Estaria a classe trabalhadora suficientemente preparada para reagir ao iminente golpe?

MLF: Como você tem visto o crescente interesse pela história?

PSR: Vejo esse crescimento com muita alegria. Durante o período da ditadura militar nós tínhamos uma preocupação enorme com nossa própria História, mas o manto sinistro da ditadura nos impediu de conhecê-la, e esse ranço durou até a última semana do governo de FHC. Faltando apenas três dias para o fim do seu governo, FHC editou o Decreto 4553, criando o sigilo eterno para os documentos referentes ao período da ditadura. Felizmente o decreto foi revogado no Governo Lula, o que permitiu trazer à tona a nossa verdadeira história, que hoje é objeto de análise pela nova geração de historiadores.

MLF: Podemos falar de uma nova geração de historiadores aqui, em Uberaba, tendo em vista nossos respectivos trabalhos? Você se sente pertencente a ela? Se sim, onde você vê que essa geração se separa dos demais historiadores (seria na metodologia utilizada, nos temas dos nossos trabalhos, nas fontes, etc)?

PRS: Evidente que me insiro, com muita humildade, entre essa nova geração de historiadores, e pretendo dar minha contribuição para elencar essas muitas memórias e outras histórias que compõem os muitos períodos da História do Brasil. O ponto que vejo como um divisor de águas entre a nova geração de historiadores e os mais remotos da nossa história, versa justamente sobre as fontes com as quais nós dialogamos. Em um período mais remoto, somente o documento era aceito como fonte de história, a nova geração ousa mais e utiliza fontes que vão desde os documentos, como a história oral de quem vivenciou o momento, ou daquilo que permanece vivo no imaginário das pessoas.

MLF: Paulo Roberto, quem tem medo da história local?

PRS: Não há que ter medo da história local: medo é o caminho mais curto para a escravidão e ter medo da história local, é submeter-se à escravidão ideológica ditada por velhos coronéis do período provinciano. Temos que trazer à tona essa riqueza imensa que existe por todos os cantos do Brasil. Temos o dever de dar visibilidade ao processo de formação das nossas cidades, das nossas indústrias e das nossas instituições, pois esses espaços tornaram-se campos de disputas, e foi justamente neles que os agentes históricos imprimiram suas marcas ao longo do tempo. Portanto, entendo como nosso dever, dar visibilidade à história local como sendo a grande contribuição desses novos sujeitos históricos, ora reconhecidos agentes da nova geração de historiadores. “Não fossem os homens, as cidades seriam verdadeiros cemitérios”

Entrevista com Zuenir Ventura

1968, o Ano que Não Terminou (Editora Nova Fronteira) foi o primeiro livro que eu li sobre a ditadura militar. Escrito em 1988, quando os acontecimentos de 68 completaram 20 anos, este livro é referência para quem deseja compreender melhor este fatídico ano. Dessa primeira leitura (já li mais de 4 vezes), veio o desejo de entender os anos de chumbo da ditadura militar e suas conseqüências para a cultura política brasileira. A experiência causada pela leitura do livro somada às aulas de Brasil República com o professor Euphranor e a curiosidade sobre a figura de Gildo Macedo Lacerda (o que eu sabia à época é que ele, militante do Movimento Estudantil, havia sido morto pelos órgãos de repressão da ditadura militar), despertaram o meu desejo de pesquisar mais sobre o assunto. Essa curiosidade resultou na minha dissertação de mestrado, onde Gildo é o principal personagem.

Vamos a uma pequena resenha do livro:

1968, no plano internacional, foi um ano impar, singular: a Tchecoslováquia se rebelou contra o domínio soviético, os estudantes franceses tomaram Paris, os hippies apareceram, os negros se impuseram, os Beatles inovaram com suas músicas psicodélicas e as mulheres queimaram os sutiãs. Foi uma revolução estética, política e cultural que mudou o rumo do século 20. No Brasil, as notícias sobre Praga e Paris incendiaram os estudantes, que saíram às ruas para protestar contra o regime militar instaurado em 1964. Internamente, o país sentia os reflexos das mudanças internacionais e a população percebia que era importante protestar. Aí o governo publicou o Ato Institucional número 5, o AI-5, em 13 de dezembro – uma sexta-feira - que fechou o Brasil para o mundo. Em "1968, o ano que não terminou", o jornalista Zuenir Ventura reconstitui a grande aventura de uma geração que transformou o Brasil. A narrativa baseia-se em memória própria e em pesquisa rigorosa feita nos jornais e revistas da época e atualizados por dezenas de entrevistas de políticos, intelectuais e artistas ao autor. Mais que a reconstituição histórica de um período em forma de grande reportagem, "1968, o ano que não terminou", é a biografia romanceada de um país, com personagens verdadeiros que sonhavam em transformar o mundo. O livro pode ser adquirido na Livraria Alternativa pelo telefone 3333 6824.

Entrevista com Zuenir Ventura

O jornalista Zuenir Ventura esteve em Uberaba no dia 12 de setembro palestrando sobre sua atuação jornalística e seu trabalho como escritor. Profissional de grande envergadura, Zuenir trabalhou nos mais importantes órgãos da imprensa nacional, destacando a revista Visão, onde foi colega de Vladimir Herzog, Paulo Francis, Fernando Morais, entre outros. Atualmente é cronista no Jornal do Brasil. Expectador privilegiado dos acontecimentos dos últimos 40 anos, Zuenir Ventura escreveu, entre outros, 1968: o Ano que não Terminou e Minhas Histórias dos Outros. O jornalista concedeu-me essa pequena entrevista ao na tarde do dia 12.

Mozart Lacerda Filho: Zuenir, você continua achando que 1968 não terminou?

Zuenir Ventura: Essa pergunta sempre me é feita e acho que por isso mesmo significa que 1968 não terminou. O legado de 68 foi um legado muito forte, ainda é muito presente e é uma época muito estudada. Pra você ter uma idéia, esse livro foi lançado em 1988 e continua vendendo até hoje, continua sendo adotado em várias universidades, por diversos cursos. Menos pelos méritos do livro e mais pela permanência do tema.

MLF: Muitos dizem que no tempo dos militares, o país caminhava melhor, que não havia corrupção, violência etc. Sendo um expectador privilegiado das ações da ditadura militar (1964-1984), o que você acha desses comentários?

ZV. Esse tipo de pensamento é pura ilusão. Eu fico preocupado quando os jovens dizem que no tempo dos militares era melhor, que não tinha a violência nem a corrupção que tem hoje. Tinha muito mais, só que não se sabia porque havia a censura, havia a tortura. A liberdade é o melhor bem que a gente tem e nada paga essa possibilidade que temos hoje de dizer o que quer, da maneira que quer, poder criticar todos os poderes, todas as instituições. Naquela época, essa conversa poderia ser considerada uma conversa subversiva. Só quem não viveu, pode pensar que, de alguma maneira, o tempo da ditadura foi melhor do que hoje. Nada daquele tempo foi melhor do que hoje, apesar de todos nossos problemas e de tudo que nos estamos enfrentando.

MLF: Durante muito tempo esperou-se um governo de esquerda e achava-se que ele encaminharia o país rumo a horizontes melhores. Hoje temos um governo que, se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda. Eu gostaria que você fizesse um balanço sobre esses quatro anos do governo do Presidente Lula.

ZV. Pra começar, eu não sei se este governo é de esquerda ou de centro esquerda. Isso é muito questionável. O que acontece é o seguinte: foi, de qualquer maneira, um bom teste. Veja que quando se chega ao poder, as coisas ficam diferentes. Todas as expectativas, todos os sonhos, todas as promessas, sobretudo, nem sempre podem ser cumpridas. Eu acho que o que o PT e o Lula, sobretudo, fizeram, foi prometer uma série de coisas e acabaram não cumprindo. Daí a decepção diante de uma expectativa que era tão grande e de uma esperança que era maior ainda. Por um lado, prometeram uma agenda impossível de ser cumprida; por outro, fizeram o contrário do que prometeram.

11.9.06

Outros Detalhes do Lugar






Os amigos vão me dar licença, mas vou falar novamente sobre outras igrejas de Uberaba. As suas torres sempre me chamaram atenção. As fotos que trago desta vez são da fachada da Igreja Santa Teresinha, das torres da Igreja São Domingos e do Cristo da Catedral Metropolitana de Uberaba.

A primeira foto, da Igreja Santa Teresinha, foi tirada da calçada da praça que a abriga, bem em frente a porta principal.

A foto das torres da São Domingos foi tirada do entrocamento da av. Leopoldino de Oliveira com a rua Segismundo Mendes. Me foi sugerido usar o photoshop e "apagar" os fios, garantindo, assim, uma melhor estética. Não posso fazer isso, pois estaria falseando o detalhe. Prefiro prejudicar a estética, mas garantir a veracidade da imagem. Afinal de contas, os fios existem, não é mesmo?

Já a fota do Cristo da Catedral, foi tirada da Praça Rui Barbosa, bem em frente as grades do portão principal (elas são mesmo necessárias?).

Abaixo, um breve histórico de cada uma delas.

A Catedral Metropolitana de Uberaba começou a ser construída em 1827, passando desde então por inúmeras reformas. Com a trasferência da sede do Bispado de Goiás para Uberaba, em 1899, a Igreja da Matriz ganhou prerrogativas de Catedral. Em 1907, a Catedral é transferida para a Igreja Adoração Perpétua, recém construída. Mas em 1926, Dom Almeida Lustosa, 2º Bispo de Uberaba retornou a Catedral para a Igreja da Matriz e, assim permanece até hoje. As atuais feições da Catedral Metropolitana de Uberaba deve-se a última grande reforma, realizada em 1933.

A primeira Igreja dedicada a Santa Teresinha foi inaugurada em 31 de março de 1929 e demolida em 1961, dando lugar ao atual templo. Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, Bispo de Uberaba à época, deu sua benção para a nova construção no dia 02 de outubro de 1960. As obras ficaram aos encargos do engenheiro uberabense João Laterza. Finalmente, no dia 07 de março de 1965, foi realizada a primeira missa.

A pedra fundamental da Igreja São Domingos foi lançada pelos padres dominicanos em 1895, mas sua inauguração só ocorreu em 1904, ainda sem as torres, as quais foram terminadas em 1914. Por esse motivo ficaram com estilo diferente da construção original, que é toda construída em tapiocanga de cor avermelhada.

Voltamos, depois, com mais detalhes do lugar. Abraços...

10.9.06

Artigo Jornal da Manhã, 10/09/2006.


Prezados Amigos,
É realmente uma pena que o Desemboque, hoje um vilarejo semi-abandonado, encontre-se na situação que se encontra. Outrora berço de toda a civilização do Triângulo Mineiro, hoje não passa de um amontoado de casas. No entanto, as duas Igrejas, ambas do século XVIII, ainda resistem. No meu artigo desse domingo, publicado pelo Jornal da Manhã, discuto a importância da memória coletiva e aponto o Desemboque como legítimo exemplo desse tipo de memória. Abraços e boa leitura.

DESEMBOQUE: DOCUMENTO DA NOSSA MEMÓRIA COLETIVA

A memória é a maneira escolhida pelo homem para preservar o tempo. Quando evocamos uma lembrança, por vezes escondida nos recônditos de nossa memória, trazemos para o presente algo que já não existe mais, mas que, naquele momento, torna-se vivo novamente. Segundo Santo Agostinho, filósofo medieval, é na memória “que me encontro a mim mesmo” e, por isso, podemos afirmar que ter memória é ter identidade.

Entrementes, a memória não pode ser conjugada apenas no singular. É preciso conjugá-la também no plural, uma vez que as sociedades constroem suas memórias. E ela está gravada nos monumentos históricos, nas narrativas míticas, nos álbuns de família, nas festas santas, no conjunto arquitetônico das cidades etc. Ao debruçarmo-nos sobre ela, tomamos contato com uma herança que nos auxilia na construção de um “eu” social. É a dimensão histórica da memória, a qual Maurice Halbwachs chamou de memória coletiva.

Estou tecendo essas considerações porque recentemente estive, de passagem, na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Velhas, nome depois alterado para Nossa Senhora do Desterro do Dezemboque. O nosso querido Desemboque, berço de toda civilização do Triângulo Mineiro, e que, infelizmente, vive hoje em franca decadência.

A fundação do Desemboque deu-se no conjunto de desenvolvimento das povoações que se formaram, em Minas Gerais, ao redor das minas de ouro. Entre 1735 e 1740, dependendo do historiador, o Guarda-Mor Feliciano Cardoso de Camargo, junto com outros companheiros, fundou, na margem esquerda do rio das Abelhas – hoje rio das Velhas – um pequeno povoado, que seria a gênese do Desemboque.

No auge de seu desenvolvimento, o Desemboque tinha aproximadamente 190 casas e uma população por volta de mil habitantes. Segundo o historiador Borges Sampaio, entre 1743 e 1781, saíram das minas do Desemboque 100 arrobas de ouro. Padres, autoridades militares, garimpeiros, escravos, prostitutas, oficiais da coroa portuguesa, criminosos de todas as espécies, entre outros, formaram sua heterogênea população.

Em dois de março de 1766 foi criado o Julgado do Desemboque que abrangia todo o Triângulo Mineiro e sul de Goiás, dando-nos uma noção da importância que o povoamento tinha para a região.

Iniciada em 1743, concluída em 1754 e erguida em homenagem à virgem protetora dos que estão desterrados de seus lares, a Igreja de Nossa Senhora do Desterro ainda resiste aos maus-tratos. Mais de vinte imagens de inestimável valor histórico já enfeitaram seus altares. Hoje apenas Nossa Senhora da Conceição pode ser vista pelos poucos que se aventuram a visitar o lugar. Como os negros eram proibidos de freqüentar os mesmos lugares que os brancos, foi construído, no final do século XVIII, um templo para homenagear Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, santa protetora dos escravos.

Quando as minas de ouro começaram a se esgotar, o Desemboque foi perdendo sua importância, sua população foi rareando, e a mineração foi, aos poucos, sendo substituída pelas atividades rurais que exigiam bem menos mão-de-obra. Hoje restam apenas algumas famílias e, se nada de concreto for feito, muito em breve, nada mais restará. Com o desaparecimento do Desemboque desaparecerá um dos mais contundentes e importantes documentos da nossa memória coletiva.