23.1.09

Novo Artigo Publicado em 28/02/2007

O PROGRAMA DO TIO MÁRIO E A CULTURA LOCAL

Estive no programa do Tio Mário umas duas vezes, sempre na semana do Dia da Criança. Nas duas ocasiões, fui como integrante da caravana da Escola Estadual Miguel Laterza, onde fiz o primário. Isso lá pelos anos de 1977, 1978, em plena ditadura militar. Ele era a maior figura. Auxiliado por duas ajudantes (acho que eram suas filhas), esbanjava carisma e comandava, com a maior paciência, as brincadeiras de seu programa.

Para ganhar os presentes que eram distribuídos, as crianças tinham que participar de algumas provas. Era preciso, por exemplo, tomar guaraná – incondicionalmente Golé, produto patrocinador do programa – no prato; morder, com as mãos para trás, numa maçã que ficava pendurada num fio de náilon; nunca falar o número cinco e seus múltiplos, trocando-os pela expressão “TV Uberaba”; saber qual animal “piava” e qual “cantava”, dentre outras.

Havia, em especial, uma brincadeira, que, ao mesmo tempo, podia ser extremamente gratificante ou extremamente frustrante. Os meninos dançavam com as meninas, tendo uma laranja unindo suas testas. Ganhava o casal que não deixava a laranja cair no chão. Acho que se chamava a Dança da Laranja. O problema é que os meninos só ficavam sabendo quem seriam suas parceiras na hora em que a dança iria começar, sem que fosse possível escolhê-las. Ou seja: se a menina fosse bonitinha, tudo bem; mas, se o garoto desse azar e a menina fosse meio feinha, era uma gozação só.

O Programa do Tio Mário acontecia aos domingos pela manhã e era transmitido, ao vivo, pela extinta TV Uberaba, canal 5. Aqueles que não iam ao estúdio, situado na rua Osvaldo Cruz, podiam, então, acompanhar de suas casas.

Entretanto, mais do que dar vazão às lembranças do autor, esse artigo quer registrar que, através de suas brincadeiras, o Programa do Tio Mário contribuía para a construção e manutenção de nossa identidade local. O programa era feito aqui, para o público daqui e apresentado por alguém que todos, verdadeiramente, conheciam.

Evidentemente que a identificação do telespectador acontecia num plano muito mais profundo. O espaço local tinha seus contornos muito mais bem demarcados, e, por isso mesmo, sobrepunha-se às produções vindas de fora. Ao anunciar um patrocinador, por exemplo, tínhamos a oportunidade de saber o que por aqui se produzia/vendia. As escolas locais, ao terem seus nomes anunciados no programa, enchiam de orgulho seus alunos e professores. O fato de pessoas conhecidas umas das outras se verem na televisão reforçava, inconscientemente, a idéia de que podíamos fazer coisas dignas de orgulho.

O que vemos hoje, quando a imensa maioria possui antena parabólica em suas casas e, por essa razão, não sintoniza a programação local, é a prevalência da idéia de que no espaço local nada de bom se faz. Ao contrário: se é produção local, é careta e sem valor. Bom mesmo é o que vem de fora, e, em nome dessa crença, submetemos-nos a assistir a programas que nada nos falam, uma vez que não nos reconhecemos neles. E aí reside seu maior malefício: esses programas “globalizados” afastam-nos de nós mesmos, tornando-nos outras pessoas, alienando-nos, enfim.

Jean-Paul Sartre, filósofo francês, fala da importação de consciência para se referir ao ato de delegarmos aos outros a autonomia do nosso pensamento. Ao nos tornamos outros, permitimos que nossa cultura original seja substituída por outras formas culturais. É como se abríssemos mão de pensar as nossas práticas culturais e adotássemos práticas culturais alheias, desfigurando-nos totalmente.

Novo Artigo Publicado em 14/02/2007

DORA DOIDA, “SEU” MARCOS E ZOTE

Que Rui Barbosa me perdoe, mas acho que nossa principal praça deveria se chamar praça Dora Doida.

Nada sei, de concreto, sobre ela. Não sei quantos anos tem, se gosta dessa ou daquela comida, se mora nesse ou naquele bairro, se torce por algum time de futebol. Nem viva sei se está. Entretanto, sua figura desperta em mim profundo fascínio. Se me perguntarem qual a primeira pessoa que me vem à mente quando penso em nossa cidade, digo na hora: Dora Doida. No meu imaginário, ela é muito mais famosa e importante do que o Águia de Haia.

Estive, pessoalmente, com ela em pouquíssimos momentos, quando trabalhava na livraria Alternativa. Ela entrava na loja, perguntava se algum rapaz queria casar com ela e ia embora. Dizem que, vez ou outra, era agressiva. Pode até ser. Na minha presença, nunca o fora. Depois, a vi andando pelas ruas algumas vezes.

Getúlio Vargas é outro que não pode ficar bravo comigo, mas o logradouro que leva seu nome também deveria mudar. Deveria passar a se chamar “Seu” Marcos.
Também sobre “Seu” Marcos sei muito pouco. Apenas que vende filtros purificadores. Mas sua figura é singular: por onde anda, é acompanhado por inúmeros cachorros. Certa feita contei mais de doze. Toda a cidade o conhece. Já tentei entrevista-lo, mas ele sempre foge. Acha que não tem nada a dizer. Eu, ao contrário, acho que ele tem tudo a dizer. Nesse breve encontro, consegui arrancar pouquíssimas informações. Sobre os cachorros, diz apenas que gosta de cuidar deles. Propus-me até a comprar dele um purificador na intenção de ter mais tempo para conversarmos, mas não teve jeito.

Agora é a vez dos torcedores do intrépido Nacional Futebol Clube não ficarem bravos comigo, mas acho que o nome do campo da agremiação deveria mudar de JK para Zote. Não sei nem se ele gostava de futebol e muito menos se torcia pelo Nacional. Entretanto, a figura do Zote me chama muito mais atenção do que a do ex-presidente. Dias atrás, João Sabino se referiu a ele num de seus textos, neste mesmo Jornal da Manhã.

O que mais chama atenção na figura do Zote é que todo mundo tem sempre uma história para contar sobre ele. As mais famosas giram ao redor de seus carros. Não há quem não conheça aquela em que ele se dirige à concessionária para adquirir um carro novo e, devido a sua parca vestimenta, nenhum vendedor lhe dá atenção, julgando-o incapaz de comprar um bem tão caro. Eis, então, que, de repente, ele saca uma enorme quantidade de notas e, à vista, arremata o modelo mais caro.

Quando começo a pensar nas pessoas, reais ou imaginárias, as quais nossa cidade me traz à lembrança, não consigo deixar de pensar na Dora Doida, no “Seu” Marcos e no Zote. É claro que Rui Barbosa, Getúlio Vargas e JK merecem o respeito de todos nós. Mas esses três singulares personagens estão muito mais impregnados na memória coletiva da cidade. Isso é facilmente explicado se levarmos em conta que é muito mais fácil nos identificarmos com as coisas que estão ao nosso redor do que com aquelas mais distantes.

Dora Doida, “Seu” Marcos e Zote: três personagens verdadeiramente conhecidos da cidade e, em função disso, habitam, com violento vigor, nosso imaginário coletivo. Aos três dedico meu texto neste domingo.

Novo Artigo 26/01/2007

CULTURA POLÍTICA


As últimas décadas do século XX foram de singular avanço no tocante à revitalização do campo das interpretações historiográficas, renovando um amplo e variado conjunto de análises históricas. Para além dos tradicionais paradigmas e modelos existentes, outras categorias são introduzidas e consideradas como de eficaz valor explicativo. No campo político, a principal inovação foi a revitalização da categoria de Cultura Política.

Esse novo vigor no conceito de cultura política muito devemos aos trabalhos de vários cientistas sociais – tais como Almond e Verba – onde a perspectiva comportamentalista é privilegiada.
No entanto, o modelo comportamentalista receberá várias críticas, sejam de cientistas sociais, sejam de historiadores. Gostaríamos de destacar a crítica elaborada pelo sociólogo francês Daniel Cefai, uma vez que seus apontamentos abrem uma nova dimensão na compreensão do conceito de cultura política Daniel Cefai amplia o arco de abrangência do conceito de Cultura Política à medida que paradigmas explicativos mais universais são relegados a um segundo plano. No seu lugar, ganham ênfase análises que reflitam contextos menores, que busquem compreender os fenômenos particulares, conseguindo, assim, melhor perceber as nuanças das tramas sociais e das formas culturais em geral.

Na visão do autor supracitado, perdem fôlego abordagens que defendem que as escolhas e os compromissos dos atores políticos devem-se, unicamente, a uma imposição de consenso através de códigos culturais. Aproxima-se, assim, Cefai da micro-história, que destaca em suas abordagens micro universos, nos quais cidadãos anônimos e comuns podem expressar seus estilos de vida, seus códigos de conduta, seus hábitos.

Assim, entendemos que o principal avanço trazido pelo conceito de cultura política é romper com qualquer interpretação essencialista acerca dos fenômenos sociais. A explicação do ato político, sendo um evento de grande complexidade, exige de seus decifradores mais do que conceitos generalistas, de feições comportamentais. É preciso um instrumental teórico que leve em conta as especificidades de seus atores e as singularidades das tramas por eles vividas.

Ao privilegiarmos as diferenças de pensamento, os valores e a prática dos diversos grupos que compõem as várias Culturas Políticas de uma dada sociedade, não estamos excluindo a possibilidade de formação de uma cultura política dominante frente às demais. As Culturas Políticas evoluem na história, determinadas por conjunturas históricas e por influência de outras culturas políticas.

Outra consideração que se faz necessária, diante do que foi exposto, diz respeito à não-unicidade das mensagens difundidas por uma dada Cultura Política. As mensagens resultam de uma gama muita ampla de fatores, que passa pela influência da família, da escola, dos grupos de convivência social, dos partidos políticos, da imprensa, etc.

Fatores esses que forjam nos atores políticos, múltiplas formas de abordagem da esfera política a que fazem parte. As vivências ─ praticadas ou idealizadas ─ por esses indivíduos levam em conta uma multiplicidade de questões que dão todo um colorido policromático as suas ações.

17.1.07

Novo Artigo Jornal da Manhã - Publicado em 14/01/2007

JOÃO FERREIRA ROSA

João Ferreira Rosa passou todo o dia 30 de janeiro de 1951 preocupado com as festividades do dia seguinte. Encomendou a carne para o churrasco, verificou a temperatura das bebidas, checou pela última vez a lista dos convidados e instruiu seus correligionários para que tudo transcorresse bem. Há muito aguardava para tomar posse do poder executivo da cidade de Veríssimo e queria que nada saísse errado com as comemorações. Afinal, a disputa com a UDN (União Democrática Nacional) havia sido bastante acirrada.

Melhor mesmo seria se tivesse ouvido os conselhos de vários amigos do PSD (Partido Social Democrático), que pediam para ele não sair sozinho, sobretudo depois que uma ameaçadora carta anônima, que no dia da apuração da eleição, teria lhe chegado às mãos. Estava escrito: se você ganhar, não leva. Entretanto, o recém-eleito prefeito de Veríssimo a ignorou, bem como aos conselhos dos amigos e companheiros partidários.

Por volta de 22 horas, na véspera da posse, chega à casa do prefeito eleito um recado para que ele comparecesse ao posto telefônico da cidade, pois deveria receber um recado oriundo de Uberaba e retransmiti-lo a um amigo. João Rosa já se encontrava deitado e, contrariando as recomendações sobre o adiantado da hora, feitas por dona Amélia Idaló Rosa, sua esposa, resolveu atender àquele chamado. Na pressa, ele, que era exímio atirador e jamais andava desarmado, esqueceu o revólver calibre 32 sobre a mesa da copa.

O posto telefônico de Veríssimo funcionava na esquina oposta à residência do casal, situada na Praça Mizael Rodrigues da Cunha. Caminhando-se poucos passos, percorria-se a distância que separava os dois lugares. Ao ter com a funcionária do lugar, descobriu que não havia ali nenhum recado para ele. Como seu sócio, Juca Elias, morava ao lado de onde funcionava o posto telefônico, julgou que poderia ser ele quem o procurava. Para sua surpresa, também não. Neste exato instante, as luzes e os telefones da cidade foram cortados. Sem entender que se tratava de um atentado contra sua vida, o prefeito eleito resolveu voltar para casa. Infelizmente, não daria tempo.

Dona Amélia ouviu o estampido e saiu correndo, encontrando o corpo do marido se contorcendo em dores, agonizando ao solo, esvaindo-se em sangue. O assassino acertara-lhe, pelas costas, um único. Terminado o serviço, o algoz fugiu em um táxi que o aguardava na estrada do cemitério.

Constatando que João Rosa ainda permanecia vivo, dona Amélia, juntamente com Alaor Alves da Silva e Pedro Ítalo, amigos da família e companheiros políticos do prefeito eleito, encaminhou o marido para ser socorrido em Uberaba. A viagem aconteceu nas mais precárias condições, uma vez que o estado da estrada era péssimo. A uma hora da madrugada do dia 31 de janeiro, João Ferreira Rosa era internado no hospital da Beneficiência Portuguesa, onde seria operado, com sucesso, pela equipe do Dr. Hélio Angotti.

Ivaí Lacerda, vereador da cidade de Veríssimo, e sua esposa, Genoveva Lacerda, amigos particulares de João Rosa, visitaram-no dois dias depois da cirurgia e constataram sua franca recuperação. Entrementes, João Rosa perdera muito sangue no atentado e precisou fazer uma transfusão. Logo na primeira tentativa, veio a falecer.

Na tentativa de explicar sua morte, duas versões, conflitantes, foram dadas: a primeira aparece no jornal O Triângulo e afirma que “após a operação, notou-se ligeira recuperação da vítima, melhora que se fez, entretanto, de curta duração. Pouco mais de duas horas, seu estado agravou-se, vindo o Dr. João Ferreira Rosa a falecer”.

Uma outra versão, presente na memória das pessoas que vivenciaram este fato histórico, dá conta de que o sangue usado na transfusão seria incompatível com o tipo sanguíneo de João Rosa, sendo sua morte ocasionada por este motivo.

Assim que ocorreu o atentado contra a vida de João Rosa, Lauro Fontoura, secretário geral do PSD de Uberaba, telefonou ao recém-eleito governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, amigo pessoal da vítima, afim de inteirá-lo dos fatos. Por esse mesmo canal de comunicação, o governador também fora informado, mais tarde, da morte do prefeito de Veríssimo.

As investigações policiais levadas a cabo após a morte de João Ferreira Rosa jamais conseguiram apontar os mandantes do crime e, consequentemente, seu assassino nunca fora encontrado.

Feliz 2007


Prezados Amigos,
Desejo a todos um ano de 2007 repleto de alegria, realizações e muita saúde. Na foto acima, mostramos a iluminação de fim de ano do Parque Fernando Costa.

Novo Artigo Jornal da Manhã 31/12/2007

PEDIDOS ANÔNIMOS

Quem tem acompanhado nossos artigos, publicados neste espaço, já deve ter percebido nossa predileção por uma História que contemple as massas anônimas, colocando-as como protagonistas dos eventos históricos. Temos procurado demonstrar que a história se passa ao nosso redor e somos, todos, parte dela. Pois bem. Hoje quero continuar falando de anônimos, de pedidos anônimos, para ser mais exato. Vejamos os relatos abaixo:

Relato 01: “Querido Papai Noel, tenho dezoito anos e estudei até a sétima série. Sou muito trabalhadeira. Gostaria que realizasse um sonho meu: queria ter um serviço fixo. Sei que sou muito grande para esse tipo de coisa [escrever ao Papai Noel], mas esse é o meu sonho. Preciso trabalhar e lutar para conseguir minha casa. Tenho dois filhos: um de quatro e outro de dois anos. Quero trabalhar para poder dar coisas boas para eles. Até hoje acredito em Papai-Noel e acho que todos deveriam acreditar”.

Relato 02: “Querido Papai Noel, tenho nove anos. Se você puder, eu quero ganhar a casa da Barbie. Meu pai é entregador de carnes e ele não pode me dar os brinquedos dos meus sonhos. Minha mãe não trabalha, ela é doente de uma doença que não tem cura. Eu tenho um irmão de sete anos e o sonho dele é ter uma bicicleta. Eu moro numa casa de fundo de três cômodos que meu pai aluga”.

Relato 03: “Querido Papai Noel, tenho sete anos. Eu queria muito um pedreiro para ajudar o meu pai acabar de arrumar a minha casa. O meu pai não sabe fazer casa e está demorando muito acabar de fazer”.

Relato 04: “Querido Papai Noel, estou te escrevendo porque gostaria de ganhar um par de patins. Sempre quis ter um, não importa o modelo. Meu pai não pode me dar, pois ele está desempregado e não tem condições agora. Tenho mais duas irmãs e fica difícil dar presentes para nós três. Um dia as coisas aqui em casa vai melhorar porque nós acreditamos muito em Deus. Tenho onze anos e te desejo toda felicidade do mundo”.

Estes relatos fizeram parte das quase duas mil cartas que foram enviadas, via Correios, ao bom velhinho, projeto intitulado “Papai Noel dos Correios”. Seus remetentes pertencem a um grupo que, certamente, não entrou em amigo-secreto e tampouco colocou presente embaixo da árvore.

A idéia dos Correios é bem simples, porém merece destaque: depois de anos recebendo cartas endereçadas ao Papai Noel, a empresa resolveu aproximar os milhares de remetentes às pessoas que, com certa dose de boa-vontade, pudessem, ao menos em parte, satisfazerem seus pedidos.
Em sua grande maioria, são pedidos simples de pessoas igualmente simples. E também pobres, muitas semi-analfabetas, mas que aproveitam a oportunidade para externar seus desejos e, sobretudo suas angústias: angústia com a casa pequena, que mal cabe a família; angústia por não ter o brinquedo dos sonhos; angústia por ter que criar dois filhos pequenos, mesmo estando desempregada; angústia por ver um pai inábil para as atividades de pedreiro, mas mesmo assim se dispondo a construir a tão sonhada casa própria, entre outros.

Aproveitam também, os destinatários para através dessas cartas, sentirem-se menos excluídos e abandonados. E aqueles que dão a sorte de encontrar alguém que lhes satisfaçam seus desejos, recebem, junto com o presente, a oportunidade de comemorar o natal de uma forma mais digna e humana. Dignidade é sentimento universal, desejado por todos e em todos os momentos, não somente em datas comemorativas.

Entretanto, nem todos fizeram pedidos; alguns aconselharam. Vejamos o relato 05: “Querido Papai Noel, tudo bem? Quero agradecer por sua atenção. E agradeço muito ao nosso bom Deus por tudo e por todas as bênçãos. Peço apenas que as pessoas coloquem em prática algumas virtudes: amor, fraternidade, humildade, sinceridade, compreensão, tolerância e desprendimento. Peço que transmita essas virtudes aos demais nossos irmãos e ensine como devemos colocar em prática”.

Aproveitemos o ano que se inicia para fazermos uma reflexão sobre esse conselho e o coloquemos em prática. Se não na sua totalidade, ao menos em parte. Feliz 2007.

Novo Artigo Jornal da Manhã 10/12/2006

OS ANTAGONISMOS DO COTIDIANO

Nas suas experiências cotidianas, os sujeitos históricos buscam dar sentido as suas práticas. As ações humanas precisam ser legitimadas com códigos de representação que criam núcleos de sentidos entre aqueles que as praticam. Assim, a uniformidade de pensamento nem sempre é alcançada e o que vemos é o surgimento de posturas culturais que variam de acordo com as intencionalidades de seus atores. Vejamos um exemplo.

O ano é 1965 e estamos em plena ditadura militar. Os estudantes universitários uberabenses dividiam seu tempo entre estudar os grandes temas da política nacional – os efeitos da Lei Suplicy de Lacerda no Movimento Estudantil, por exemplo – e questões de âmbito mais local – entre elas, a obrigatoriedade do uso de paletó para irem as sessões noturnas dos cinemas.

Inconformados com tal obrigatoriedade, o Diretório Central dos Estudantes, que naquele outubro de 1965 tinha como presidente o acadêmico Raimundo Ralid, encaminhou, no dia 07 do referido mês, um ofício às Empresas Cinematográficas de Uberaba, administradoras dos cinemas locais (Cine Teatro Vera Cruz, Cine Metrópole, Cine Uberaba Palace e Cine Royal. Os dois primeiros ainda estão em atividade. O terceiro e o quarto foram desativados e nos seus lugares, hoje, funcionam um bingo e uma pizzaria, respectivamente), reivindicando “a abolição do uso de paletó ou agasalhos necessários ao ingresso às sessões noturnas”, conforme o Relatório do DCE de Uberaba Gestão 65/66, documento pertencente ao Arquivo Público de Uberaba.

Argumentavam, os estudantes, que assistir a uma sessão de “cinema exige uma predisposição intelectual em que não se justifica uma preocupação estética”. Diziam mais: as condições climáticas da cidade, juntamente com um caráter discriminatório de tal medida, não conciliavam com o “espírito progressista e dinâmico que anima a direção destas Empresas”.

Mesmo os estudantes se cercando de tais argumentos, as Empresas Cinematográficas de Uberaba, em ofício datado do dia 13 do mesmo mês, assinado pelo Sr. Hugo Rodrigues da Cunha, diretor-gerente, nega o pedido dos estudantes, alegando que, embora “os costumes tenham evoluído através dos tempos, tendendo à simplificação e à economia”, tal norma (o uso do paletó nas sessões noturnas) atendia a uma grande parcela da população que não via com bons olhos tais mudanças nos costumes.

Em represália à negativa da Cia. Cinematográfica São Luiz, o Conselho Universitário dos estudantes, depois de muito deliberar sobre o assunto, decidiu organizar um protesto: optaram por fazer uma fila boba – prática que consistia em vários estudantes ficarem na fila, mas não comprarem os ingressos para a respectiva sessão. Como resultado dessa atitude, teriam os estudantes sido atacados pela polícia. Voltemos ao anteriormente citado documento: “A Cia. Cinematográfica São Luiz mobilizou o Sr. delegado de polícia, que elaborou um aparato policial para acabar com a pacífica “fila boba”. Estudantes foram presos e espancados. E o que foi pior, numa arbitrariedade do Sr. delegado, fomos taxados de subversivos e comunistas na imprensa local, somente por pretendermos a abolição de um uso obsoleto e tacanho.”

Como podemos perceber, participar da história é experimentar contradições e ambigüidades. Os conflitos experimentados, os antagonismos produzidos pelos indivíduos nos remetem a novas possibilidades de interpretação e de representação do mundo.

26.11.06

Novo Artigo - Jornal da Manhã - Publicado em 26/11/2006

BIOGRAFIAS

As biografias, ou seja, relatos sobre a história de vida das pessoas, estão na moda. Podemos vê-las nos cinemas, nas mini-séries, nos romances. As livrarias criaram uma estante especialmente dedicada a elas. Também nas narrativas historiográficas, as biografias estão lá. Aliás, acho que sempre estiveram. Há muito os historiadores preocupam-se em descrever os feitos e as memoráveis de homens que, devido as suas atitudes, chamaram a atenção.

Entretanto, existem algumas formas usadas na confecção de uma biografia. Podemos, de maneira rápida, agrupá-las em duas categorias: as biografias tradicionais e as renovadas.
Nas biografias tradicionais, encontramos uma descrição linear dos fatos vividos pelo indivíduo ao longo do seu tempo de vida. A biografia tradicional é amplamente identificada com um tipo de história que tratava apenas dos grandes homens e de seus feitos, perpetuando uma versão dos fatos históricos a partir dos vencedores.

Nas biografias renovadas, por sua vez, encontramos a necessidade de problematizar toda a experiência do indivíduo, sendo possível, por meio dessas problematizações, inferir experiências que ampliem as conjunturas particulares, alcançando os nexos e contornos mais generalizantes. É como se por intermédio das experiências particulares dos sujeitos se abrisse inúmeras possibilidades de análises que permitissem compreender situações para além das suas próprias. Os elementos de formação de vivências individuais são gestados nas suas experiências sociais e nas experiências sociais dos grupos aos quais pertenceu.

Dessa forma, o historiador deve adotar os procedimentos metodológicos da nova biografia que, utilizando-se do individual, busca-se o diálogo permanente com sua realidade contextual. Biografar o indivíduo e o seu entorno é demarcar e dialogar com os problemas de seu tempo. Phillippe Levillain, importante historiador francês diz: “A biografia [renovada] reassume uma função a meio caminho entre o particular e o coletivo, exercício apropriado para identificar uma figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação distribuída a outros segundo os mesmos modelos, analisar as relações entre desígnio pessoal e forças convergentes ou concorrentes, fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios”.

O que se busca com a nova biografia histórica é captar o senso de realidade dos problemas sociais através da concretude das experiências de vida. Assim, construímos também o contexto no qual age o indivíduo. Aquilo que Pierre Bourdieu chama de “superfície social”: uma pluralidade de itinerários possíveis, de atrações múltiplas, não-lineares e mutantes a todo o momento, o que nos leva, enquanto historiadores, ao hercúleo esforço para não construirmos modelos que tratam de uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e estável.

Evidentemente, uma construção biográfica é uma tentativa de dar sentido, tornar inteligível, descortinar a lógica que rege essa ou aquela escolha dos sujeitos biografados. No entanto, seria uma ilusão, para usarmos um termo do próprio Bourdieu, engessarmos esse sujeito em escolhas homogêneas, não-contraditórias e totalmente conscientes, fazendo da sua história de vida um “artefato socialmente irrepreensível”.

Uma análise crítica, segundo Bourdieu, dos processos sociais em intersecção com as trajetórias de vida dos indivíduos ou grupos de indivíduos “conduz à construção da noção de trajetória como série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações”.

Portanto, devemo-nos desviar de toda construção biográfica de cunho narcísico, que nada mais faz do que constatar a posteriori aquilo que o indivíduo já é a priori, vendo no desenrolar de suas vivências aquilo que já estava nele desde sempre, só conseguindo ver, em ato, aquilo que já estava presente em potência, em que todos os movimentos desse indivíduo deixam de existir. Dessa forma, torna-se o sujeito aquilo para o qual ele sempre tendeu, em que o discurso biográfico construído nada mais faz do que legitimar as ações do biografado.

14.11.06

Novo Artigo Jornal da Manhã - Publicado em 12/11/2006

A HISTÓRIA LOCAL E SUAS POSSIBILIDADES DE INVESTIGAÇÃO HISTORIOGRÁFICA

Acreditou-se, durante um bom tempo, que escrever a história era descrever os eventos vividos pelo homem sempre apoiado em interpretações generalizantes, nas quais somente as “grandes questões” tinham espaço.

A partir do momento que as análises globalizantes não deram conta de explicar os problemas do homem anônimo, paradigmas historiográficos começaram a ser questionados: novas fontes, em especial, as orais, passaram a ser incorporadas ao rol de investigação do historiador; novas perguntas foram feitas a essas fontes; uma atitude irremediável de associação com outras ciências humanas, sobretudo a antropologia e a sociologia, visando não a uma explicação cabal, e sim a uma maior compreensão do nosso objeto de investigação. E foi, a partir daí, que os contornos mais sutis passaram a também ser considerados oficio do historiador.

Mas ter seu ofício reconhecido não resolve os problema do historiador do local. Ao contrário, aqui eles começam. É preciso, agora, que o historiador sustente suas afirmações, dê consistência a suas análises. Em outras palavras, é preciso que o historiador pergunte por onde anda a legitimidade do seu ofício; é preciso que se questionem as possibilidades de uma investigação historiográfica em que o local passa a ser o cenário da história.

E, para responder a essas indagações, o historiador do local deve ter clareza das suas prerrogativas metodológicas. Afirmando com o professor Agnaldo de Souza Barbosa: “o principal desafio metodológico para a história local é o problema da relação tempo-história que precisa, pelos historiadores, ser revista”. A história generalizante trabalha com a noção de tempo uniforme, comum a todos os espaços, uma espécie de superestrutura da história global. À história local importa a apreensão do tempo dos lugares, o tempo realmente vivido por cada localidade, composto por um amálgama de experiências distintas dos pólos hegemônicos num mesmo momento histórico.

Mas é preciso também ter em mente que tentar ver nas partes somente uma micro-reprodução do todo é não entender, de fato, o que acontece tanto na parte como no todo. É homogeneizar relações não homogêneas. Por isso podemos dizer que o grande avanço da história local é a busca das singularidades, diversidade na história e, sobretudo, o respeito aos detalhes.

Uma outra discussão muito salutar ao historiador do local é a própria definição do que é local. Muitas críticas já nos foram feitas, sobretudo aos historiadores que tomam como medida do espaço local a geografia política, quando definimos o espaço local apenas como sendo a cidade, o município, o estado da federação, etc.

No lugar dessa definição meramente geográfica, preferimos uma delimitação dos recortes espaciais que levem em conta a historicidade dos espaços. Assim, preferimos a definição do que é local dependente das relações que determinada região mantém com as outras em diferentes momentos históricos.

Uma última reflexão: o objetivo central, ao menos no nosso entender, da história local é fornecer elementos que não podemos deixar de levar em conta quando tentamos compreender as diversas variáveis que constituem o sistema global de interpretações históricas, dando-nos elementos para que tenhamos condições de criticar as grandes generalizações de nossa história.
A consideração acima se faz necessária na medida que alguns dos historiadores que se ocupam da história local ainda o fazem tendo em mente a idéia equivocada de construção de uma história nacional a partir do somatório das diversas histórias locais.

Diante do que foi exposto, fica claro que as possibilidades de uma investigação historiográfica partindo da prática de uma história local são perfeitamente possíveis. No entanto, toda vigilância é necessária para que não façamos dessa nova escrita da história uma babel onde tudo caiba, correndo o risco de perder sua finalidade.

23.10.06

Mais detalhes do lugar - Praça da Liberdade Zumbi dos Palmares












































Novo Artigo - Jornal da Manhã - Publicado em 22/10/2006

A estação ferroviária original de Uberaba, nos anos 1920.



A ESCRITA DA LUZ E A ESCRITA DA HISTÓRIA


Hoje, para todo lado que olha, o historiador ouve vozes. Isso porque, com os avanços teóricos e metodológicos trazidos pelas recentes discussões no campo da escrita da história, ele se vê diante de novas fontes historiográficas, passando a ter um novo repertório de objetos a serem analisados, uma verdadeira “revolução documental”, que muito contribui para um alargamento do conceito de documento.

A escrita da luz – a nossa fotografia – é uma dessas vozes que mais clama por um ouvido que possa escutá-la. Mais: possa também, além de escutá-la, compreendê-la. Fonte de memória bruta, a fotografia, desde que foi inventada em meados do século XIX, tornou o mundo familiar. O homem passou a ter um conhecimento mais preciso e amplo de outras realidades que lhe eram, até aquele momento, transmitidas unicamente pela tradição escrita, verbal ou pictórica.

Entrementes, como a fotografia é um fragmento de um mundo mais amplo, o conhecimento trazido por ela necessita de uma contextualização, posto que é um conhecimento obtido através do detalhe. Dito de outra forma: para se escutarem as vozes que ecoam das fotografias, antes de tudo, é preciso compreender a tensão permanente existente entre aquilo que se fotografou e o contexto que lhe deu origem.

Isso porque toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo, e, portanto, da vida. O fragmento selecionado do real, a partir do instante em que foi registrado, permanecerá para todo o sempre interrompido e isolado. Diante disso, pode-se afirmar que a fotografia, tomada nesses termos, é uma re-apresentação da realidade. É dessa forma que se torna um documento histórico, uma fonte histórica.

Nessa perspectiva, o fotógrafo é um elemento muito importante nessa trama, uma vez que é ele quem seleciona um determinado detalhe do real a ser memorizado. Pela sua escolha, sempre intencional, podemos inferir elementos acerca do funcionamento da mentalidade do objeto fotografado. Isso nos permite dizer que o fotógrafo é, para o outro, um fabricador de versões da realidade, uma vez que, ao escolher uma cena a ser registrada, exerce um certo controle da memória.

Para não se tomar a versão do fotógrafo como sendo a única possível, é preciso superar as intenções daquele que a produziu. O valor e o alcance da fotografia enquanto documento histórico está na razão direta de quem consegue, em função de sua bagagem cultural, sensibilidade, experiência humana e profissional, formular-lhes as perguntas corretas e adequadas.

Outro aspecto a ser lembrado quando se toma a fotografia com a função de compreender o passado é perceber que a cena registrada na imagem não se repetirá jamais. Dessa forma, o historiador tem diante de si a perpetuação de um momento. Se quisermos, a perpetuação da memória: memória individual, memória coletiva, memória dos costumes, da natureza, etc.


Sendo a fotografia um resíduo daquilo que se foi, contemplá-la e compreendê-la é acessar um tempo histórico não mais disponível, entretanto, presente. Presente, sobretudo, na comoção de que somos tomados ao giramos a chave do passado e, dessa forma, trazermos de volta para o presente um turbilhão de emoções esquecidas, mas que graças ao contato com o fotograma não está condenado ao esquecimento.

11.10.06

Novos Historiadores - Gustavo Vitor Pena

Conheci Gustavo Vitor Pena quando estávamos fazendo matrícula no curso de História da UNIUBE, em fins de 2000. Lá estava ele, com seu jeito tímido, observador. Comentamos algo que hoje eu não me lembro mais. Em sala de aula, Gustavo sempre foi de falar depois de todos nós. Eu falava muito, depois falava o Paulo (que também falava muito), depois eu de novo (sempre falei demais). Vez ou outra os colegas falavam. Todos com observações pertinentes ao que se estava discutindo. Mas quando Gustavo falava, tudo, absolutamente tudo, era tido. Se éramos parciais em nossas análises, Gustavo era total. No primeiro dia de curso, ele disse que iria conquistar o mundo (o que lhe rebdeu o apelido de Ming, imperador do planeta que leva seu nome e antagonista do Flash Gordon). Não duvido. Erudição, rigor de análise, texto inconfundível e um ótimo camarada: essas são algumas de suas (muitas) virtudes. Gustavo, atualmente, divide-se entre o Mestrado na UFU e a profissão de professor de história. Abaixo, suas respostas.

1) Fale da sua trajetória intelectual (seria uma pequena biografia).

Nascido e criado nesta cidade fiz o primário na Escola Estadual Uberaba (hoje encampada pelo município), uma parte do ensino fundamental na Escola Estadual Lauro Fontoura e o restante desde, assim como o ensino médio, no Colégio Tiradentes da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Depois, antes de entrar no ensino superior, fiz alguns cursos técnicos, como Patologia Clínica e Comunicação de Rádio e TV. Nesse meio tempo, ganhei um concurso de contos promovido pela Academia de Letras do Triângulo Mineiro, além de menções honrosas em outros, inclusive com a publicação de um trabalho numa antologia pela editora Litteris. Em 2001 entrei para a Universidade de Uberaba, onde, 4 anos depois, me licenciei plenamente em História. Um ano depois, entrei como aluno regular no mestrado – linha história e cultura – da Universidade Federal de Uberlândia, onde estou até hoje, dividindo meu tempo com a rede estadual de ensino, na qual sou professor.

2) Descreva o seu projeto de pesquisa.

Omnem crede diem tibi diluxisse supremum. Assim já nos admoestava o poeta latino Horácio: “faz de conta que cada dia é o último que brilha para ti”. Essa sentença nos remete, inexoravelmente, a idéia de cotidiano, que por sua vez, é uma das vertentes de pesquisa abrigadas sob a égide da Escola dos Annales. Amparado pelas novas perspectivas de abordagens históricas introduzidas pela história das mentalidades, eu abordo em meu trabalho a vida cotidiana em Uberaba na década de trinta do século XX – mais especificamente, sobre a influência que a morte exercia na vida diária destes uberabenses. Para esta pesquisa, levo em conta o período compreendido entre 1934 a 1939, uma vez que no Arquivo Público Municipal de Uberaba, são esses os exemplares do jornal Gazeta de Uberaba que se encontram em melhores condições de manuseio – periódico esse que se constituirá em minha principal fonte histórica.

Procuro avaliar como o jornal supracitado tratava o assunto, e qual a ressonância que a forma usada pelo periódico tinha na população. Posso adiantar que constatei um certo “elitismo” nos obituários pesquisados, pois as menções sobre o falecimento de pessoas comuns neste periódico foram deveras raras. Partindo desta observação, procurei saber o porquê desta postura, ao mesmo tempo em que tentei recuperar, trazer do limbo do esquecimento, esses sujeitos comuns que não figuravam nos obituários, mas cujas memórias são importantíssimas demais para não fazerem parte deste grande emaranhado de fios que é a memória de uma cidade.

Um obituário era, antes de ser um informativo, algo que demonstrava status. Mais do que comunicar a morte e o local do sepultamento, era uma oportunidade para as famílias se exibirem à sociedade, uma vez que todas as supostas virtudes do defunto (minuciosamente registradas), ocupavam grande parte da nota de falecimento.A História Oral também me é de grande valia, uma vez que por meio dela poderei recuperar impressões que não me seriam possíveis de serem obtidas somente com o estudo das fontes escritas, ao mesmo tempo em que ela me ajudará a compreender como o imaginário local tratava essa questão.

3) Como você tem visto o crescente interesse pela história?

Tenho visto com muito entusiasmo, pois todo esse interesse, além de já ser deveras saudável por si só, ainda pode ser canalizado para abranger outros interesses do poder público e da sociedade em geral, como a preservação do patrimônio da cidade, a conscientização dos cidadãos enquanto seres pertencentes a uma comunidade, da necessidade da celebração de nossas figuras históricas... Como disciplina de referência, a História pode suscitar discussões que refletem diretamente em outros campos, atingindo a todas as pessoas, gerando uma onda de interesse que, se bem fomentada pelos historiadores, será capaz de transformar socialmente o município em um pólo de pessoas conscientes e de cidadãos exemplares.

4) Podemos falar de uma nova geração de historiadores aqui, em Uberaba, tendo em vista nossos respectivos trabalhos? Você se sente pertencente a ela?

O curso de História da Uniube permaneceu por algum tempo fechado, o que certamente foi um dos fatores que contribuíram para essa aparente “apatia” de trabalhos históricos em Uberaba. Digo aparente porque, mesmo durante esse período, algumas pesquisas acabaram acontecendo, embora não sendo conduzidas necessariamente por historiadores, mas por outros profissionais, como advogados, médicos e jornalistas. Com o ressurgimento do curso, um novo impulso foi dado, e muitas jovens cabeças estão sendo estimuladas em apresentar projetos neste sentido. Acredito que essa “lufada” de vento fresco não será fugaz, tamanha a qualidade dos trabalhos que conheço dos meus colegas que, assim como eu, resolveram prosseguir na vida acadêmica depois do diploma. Apesar de não possuir o mesmo talento de meus colegas, me sinto honrado em ser contemporâneo dessa geração, que certamente elevará o nome de Uberaba como berço de pródigos acadêmicos.

5) Se sim, onde você vê que essa geração se separa dos demais historiadores (seria na metodologia utilizada, nos temas dos nossos trabalhos, nas fontes, etc)?

Poderia dizer que o principal mérito desta nova geração está em seus objetos de estudo, na opção de trabalhar com a história local. Uberaba é uma cidade carente de dados sobre seu próprio passado, e se beneficiará muito dos avanços desta geração, que está literalmente desbravando fronteiras, chamando a atenção de todos para que recuperemos o que resta de nosso âmago, antes que seja tarde demais. Se essa geração puder conscientizar a todos da importância de se conservar nosso patrimônio, ela já terá cumprido sua missão.

6) E por fim: na sua opinião, quem tem medo da história local?

Aqueles que acham, em nome da ambição desenfreada e da falta de compromisso com o futuro, mais interessante derrubar um casarão e construir um estacionamento do que preservar e conceder o legado do passado às gerações futuras.

Novo artigo Jornal da Manhã - Publicado em 08/10/2006


A SIMPLICIDADE ERUDITA DE ROGER CHARTIER

No último dia 28 de setembro, estive, juntamente com outros colegas historiadores, na Universidade Federal de Uberlândia a fim de ouvir uma palestra, intitulada A Nova História Cultural, proferida por um dos mais importantes historiadores da atualidade: o francês Roger Chartier. Entre outras ocupações, o professor Chartier é diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, onde leciona disciplinas relacionadas com a história das práticas culturais e história da leitura. O seu seminal artigo O Mundo como Representação – além de outras obras – abriram novas possibilidades no campo historiográfico, especialmente aqueles ligados à história cultural.

Apenas para situar, de forma muito breve, a história cultural é uma maneira de se escrever a história que leva em conta uma especial afeição pelo informal e apresenta caminhos alternativos para a investigação histórica, indo onde as abordagens tradicionais não foram. Nessa forma de se escrever a história, são deixadas de lado interpretações generalistas e globalizantes. Para tanto, nos aconselha Roger Chartier, o historiador da cultura deve entender as manifestações culturais como prática, e sugere para seu entendimento os conceitos de Representação e Apropriação.

A Representação seria analisar as ausências por intermédio de práticas simbólicas, uma vez que o ausente em-si não pode mais ser visitado. Segundo Sandra Pesavento, historiadora que comenta a obra de Chartier, “representar é estar no lugar de; é a presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência”. Já a Apropriação seria a tentativa de construir uma história social, remetida para suas determinações fundamentais, que são o social, o institucional e, sobretudo, o cultural. A história local, enquanto corrente historiográfica, só tem sido possível por conta dos avanços da história cultural.

Mas vamos voltar ao nosso encontro com Roger Chartier. Ao chegarmos ao anfiteatro, fomos surpreendidos com o fato de que a palestra seria proferida em português, não sendo necessário haver tradução simultânea. Interessante observar que, na maioria das vezes, os palestrantes que por aqui nos visitam, não se preocupam, nem um pouco, com isso.

Aos nos acomodarmos nas poltronas, outra surpresa: de repente um senhor na casa dos 60 anos (confesso que o julgava bem mais velho), extremamente sorridente, acenando para os presentes, senta-se na mesa central e passa a autografar, pacientemente, seus livros e deixar que as pessoas lhe tirassem fotografias. Além de conversar amigavelmente com todos a sua volta.
Sua palestra, onde procurou traçar um histórico das principais correntes da história cultural, primou pela erudição e pela precisão ao usar conceitos até certo ponto bastante complexos para serem abordados em falas breves como são as palestras. Entrementes, a simplicidade de sua postura foi traço marcante durante toda sua exposição. Ao final, respondeu a todas as perguntas que lhe foram encaminhadas.

Entretanto, o mundo acadêmico, freqüentado por ilustres professores, mestre e doutores, não é dado a simplicidades. Ao contrário: a vaidade e a empáfia são suas principais características. No encontro com Roger Chartier, aprendemos bastante sobre metodologia da história. Mas também tivemos a oportunidade de aprender algo que muito tem feito falta aos nossos intelectuais e aos ambientes por eles freqüentados: que ser simples e simpático não afeta o rigor das nossas análises nem nos torna menos competentes.

24.9.06

Novo Artigo Jornal da Manhã - 24/09/2006

Amigos, abaixo coloco novo artigo de minha autoria, publicado no Jornal da Manhã, em 24/09/2006.

FLAMENGO X UBERABA, 1º DE ABRIL DE 1981

Em 1º de abril último, fez 25 anos que o intrépido time de Boulanger Pucci proporcionou uma das maiores alegrias ao seu torcedor. Fundando em 1917, ano da Revolução Socialista na Rússia, o Uberaba Sport Clube – que, assim como os revolucionários soviéticos, adotou o vermelho como cor oficial – fazia, naquele ano de 1981, sua melhor campanha em um campeonato nacional.

O time colorado havia chegado à Taça de Ouro – a divisão de elite do futebol brasileiro – depois de uma empolgante campanha na Taça de Prata, onde enfrentou, entre outros clubes, América, Americano, ambos do Rio de Janeiro, e Vitória da Bahia. A estréia na Taça de Ouro foi no dia 08 de março de 1981 no empate contra outro Colorado, este de Curitiba, que havia sido campeão paranaense no ano anterior.

Diron, Celso, Rafael e Tim; Aldeir, Vandinho, Joãozinho, Paulo Luciano e Ilton (que corria risco de ser suspenso pela CBF); Serginho e Ney compunham o time representante do Triângulo Mineiro. O primeiro tempo está gravado na memória de todo torcedor colorado com mais de 35 anos. Logo aos 8 minutos, para a sorte dos flamenguistas, Ney perdeu gol feito. Mas aos 20 não teve jeito e Paulo Luciano fez o primeiro gol. Serginho, aos 37, ampliaria o placar. Um Maracanã atônito e completamente abarrotado de torcedores rubro-negros não entendia o que estava acontecendo, uma vez que o Uberaba Sport Clube mandava no jogo e, como diria este mesmo Jornal da Manhã de 02 de abril de 1981, “colocava o Flamengo na rodinha”.

Do outro lado, estavam em campo simplesmente Raul, Carlos Alberto, Luís Pereira, Marinho e Júnior; Vitor, Adílio, Zico e Tita; Nunes e Carlos Henrique, defendendo o time do Flamengo de Futebol e Regatas, o então atual campeão brasileiro e que viria a ser também campeão do mundo no Japão, ganhando do Liverpool, da Inglaterra, por três tentos a zero. No meio do caminho, o escrete flamenguista ainda ganhou a Copa Libertadores da América em cima do Cobreloa do Chile.

Zico, o craque do poderoso time e da seleção brasileira – que naquela ocasião era comandada por Telê Santana – foi completamente anulado em campo pela firme marcação de Vandinho. Diron, experiente goleiro, comandava uma defesa bem postada, Paulo Luciano, mesmo não estando na melhor de suas formas físicas, desfilava sua elegância em campo e Ney infernizava a defesa rubro-negra, sempre aproveitando os cruzamentos que os antigos pontas alçavam na grande área. Do banco, Domingos Baroni – o indefectível Mingo – coordenava as jogadas.

Findado o primeiro tempo, a alegria dos colorados era imensa por ver seu time do coração sair do interior do Triângulo Mineiro e ganhar, ainda que parcialmente, do todo poderoso Flamengo. Samuel Resende, vascaíno doente (portanto, anti-flamenguista), não resistiu à tentação e, no intervalo, do jogo partiu para a provocação com os torcedores rubro-negros que eram seus vizinhos no bairro universitário e que assistiam ao jogo no bar do “seu” Laércio.

Uberaba e Flamengo já haviam disputado outra partida no dia 10 de março do mesmo ano no estádio Engenheiro João Guido, o Uberabão, completamente lotado. O escrete colorado saiu na frente, mas o juiz Roberto Nunes Morgado não deixou o USC ganhar o jogo, validando um gol do atacante Nunes em clamoroso impedimento. Logo, o prélio do Maracanã tinha um sabor todo especial para os uberabenses: vingar a injustiça do jogo anterior e a possibilidade de jogadores simples, comuns, anônimos para o futebol nacional, demarcaram seus espaços e mostraram que ilustres desconhecidos também poderiam entrar para a história.

Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, o futebol é um dos poucos itens trazidos pelos colonizadores que foi dominado por nós. “É, pois, um iniludível exemplo de que podemos aprender com os outros e mostrar, sobretudo a nós mesmos, que podemos ser os melhores”, afirma DaMatta. E era exatamente isso que estava acontecendo naquele momento: homens simples, anônimos tornando-se protagonistas de sua trama social, inserindo-se num contexto mais amplo e tomando a história em suas mãos.

Bom, mas o que aconteceu no segundo tempo da partida? Interessante... do segundo tempo, não me lembro de nada...