11.10.06

Novos Historiadores - Gustavo Vitor Pena

Conheci Gustavo Vitor Pena quando estávamos fazendo matrícula no curso de História da UNIUBE, em fins de 2000. Lá estava ele, com seu jeito tímido, observador. Comentamos algo que hoje eu não me lembro mais. Em sala de aula, Gustavo sempre foi de falar depois de todos nós. Eu falava muito, depois falava o Paulo (que também falava muito), depois eu de novo (sempre falei demais). Vez ou outra os colegas falavam. Todos com observações pertinentes ao que se estava discutindo. Mas quando Gustavo falava, tudo, absolutamente tudo, era tido. Se éramos parciais em nossas análises, Gustavo era total. No primeiro dia de curso, ele disse que iria conquistar o mundo (o que lhe rebdeu o apelido de Ming, imperador do planeta que leva seu nome e antagonista do Flash Gordon). Não duvido. Erudição, rigor de análise, texto inconfundível e um ótimo camarada: essas são algumas de suas (muitas) virtudes. Gustavo, atualmente, divide-se entre o Mestrado na UFU e a profissão de professor de história. Abaixo, suas respostas.

1) Fale da sua trajetória intelectual (seria uma pequena biografia).

Nascido e criado nesta cidade fiz o primário na Escola Estadual Uberaba (hoje encampada pelo município), uma parte do ensino fundamental na Escola Estadual Lauro Fontoura e o restante desde, assim como o ensino médio, no Colégio Tiradentes da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Depois, antes de entrar no ensino superior, fiz alguns cursos técnicos, como Patologia Clínica e Comunicação de Rádio e TV. Nesse meio tempo, ganhei um concurso de contos promovido pela Academia de Letras do Triângulo Mineiro, além de menções honrosas em outros, inclusive com a publicação de um trabalho numa antologia pela editora Litteris. Em 2001 entrei para a Universidade de Uberaba, onde, 4 anos depois, me licenciei plenamente em História. Um ano depois, entrei como aluno regular no mestrado – linha história e cultura – da Universidade Federal de Uberlândia, onde estou até hoje, dividindo meu tempo com a rede estadual de ensino, na qual sou professor.

2) Descreva o seu projeto de pesquisa.

Omnem crede diem tibi diluxisse supremum. Assim já nos admoestava o poeta latino Horácio: “faz de conta que cada dia é o último que brilha para ti”. Essa sentença nos remete, inexoravelmente, a idéia de cotidiano, que por sua vez, é uma das vertentes de pesquisa abrigadas sob a égide da Escola dos Annales. Amparado pelas novas perspectivas de abordagens históricas introduzidas pela história das mentalidades, eu abordo em meu trabalho a vida cotidiana em Uberaba na década de trinta do século XX – mais especificamente, sobre a influência que a morte exercia na vida diária destes uberabenses. Para esta pesquisa, levo em conta o período compreendido entre 1934 a 1939, uma vez que no Arquivo Público Municipal de Uberaba, são esses os exemplares do jornal Gazeta de Uberaba que se encontram em melhores condições de manuseio – periódico esse que se constituirá em minha principal fonte histórica.

Procuro avaliar como o jornal supracitado tratava o assunto, e qual a ressonância que a forma usada pelo periódico tinha na população. Posso adiantar que constatei um certo “elitismo” nos obituários pesquisados, pois as menções sobre o falecimento de pessoas comuns neste periódico foram deveras raras. Partindo desta observação, procurei saber o porquê desta postura, ao mesmo tempo em que tentei recuperar, trazer do limbo do esquecimento, esses sujeitos comuns que não figuravam nos obituários, mas cujas memórias são importantíssimas demais para não fazerem parte deste grande emaranhado de fios que é a memória de uma cidade.

Um obituário era, antes de ser um informativo, algo que demonstrava status. Mais do que comunicar a morte e o local do sepultamento, era uma oportunidade para as famílias se exibirem à sociedade, uma vez que todas as supostas virtudes do defunto (minuciosamente registradas), ocupavam grande parte da nota de falecimento.A História Oral também me é de grande valia, uma vez que por meio dela poderei recuperar impressões que não me seriam possíveis de serem obtidas somente com o estudo das fontes escritas, ao mesmo tempo em que ela me ajudará a compreender como o imaginário local tratava essa questão.

3) Como você tem visto o crescente interesse pela história?

Tenho visto com muito entusiasmo, pois todo esse interesse, além de já ser deveras saudável por si só, ainda pode ser canalizado para abranger outros interesses do poder público e da sociedade em geral, como a preservação do patrimônio da cidade, a conscientização dos cidadãos enquanto seres pertencentes a uma comunidade, da necessidade da celebração de nossas figuras históricas... Como disciplina de referência, a História pode suscitar discussões que refletem diretamente em outros campos, atingindo a todas as pessoas, gerando uma onda de interesse que, se bem fomentada pelos historiadores, será capaz de transformar socialmente o município em um pólo de pessoas conscientes e de cidadãos exemplares.

4) Podemos falar de uma nova geração de historiadores aqui, em Uberaba, tendo em vista nossos respectivos trabalhos? Você se sente pertencente a ela?

O curso de História da Uniube permaneceu por algum tempo fechado, o que certamente foi um dos fatores que contribuíram para essa aparente “apatia” de trabalhos históricos em Uberaba. Digo aparente porque, mesmo durante esse período, algumas pesquisas acabaram acontecendo, embora não sendo conduzidas necessariamente por historiadores, mas por outros profissionais, como advogados, médicos e jornalistas. Com o ressurgimento do curso, um novo impulso foi dado, e muitas jovens cabeças estão sendo estimuladas em apresentar projetos neste sentido. Acredito que essa “lufada” de vento fresco não será fugaz, tamanha a qualidade dos trabalhos que conheço dos meus colegas que, assim como eu, resolveram prosseguir na vida acadêmica depois do diploma. Apesar de não possuir o mesmo talento de meus colegas, me sinto honrado em ser contemporâneo dessa geração, que certamente elevará o nome de Uberaba como berço de pródigos acadêmicos.

5) Se sim, onde você vê que essa geração se separa dos demais historiadores (seria na metodologia utilizada, nos temas dos nossos trabalhos, nas fontes, etc)?

Poderia dizer que o principal mérito desta nova geração está em seus objetos de estudo, na opção de trabalhar com a história local. Uberaba é uma cidade carente de dados sobre seu próprio passado, e se beneficiará muito dos avanços desta geração, que está literalmente desbravando fronteiras, chamando a atenção de todos para que recuperemos o que resta de nosso âmago, antes que seja tarde demais. Se essa geração puder conscientizar a todos da importância de se conservar nosso patrimônio, ela já terá cumprido sua missão.

6) E por fim: na sua opinião, quem tem medo da história local?

Aqueles que acham, em nome da ambição desenfreada e da falta de compromisso com o futuro, mais interessante derrubar um casarão e construir um estacionamento do que preservar e conceder o legado do passado às gerações futuras.

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